No Romance da Pedra do Reino de Ariano Suassuna há um belíssimo verso que sempre admirei e que sempre me inquietou, por conter um aparente paradoxo que nunca me dei o trabalho de explorar até o fim. Tentarei fazê-lo agora. O verso aparece no Folheto LIV, “A Parada dos Fidalgos Sertanejos”, e ocorre num desafio de cavalhada entre cristãos e mouros, nas ruas de Taperoá. Respondendo à provocação do Rei Mouro, o Rei Cristão diz:
“Esta é a nossa batalha,
sangrenta, macha e tirana!
Minha espada, a Durindana,
não amostra uma só falha!
Na forja desta Fornalha
eu ganharei a Vitória!
Mas ficarão na Memória
meus malfeitos e perigos,
e os Cantadores antigos
cantarão a minha Glória!”
Perceberam a sutileza? Os cantadores antigos (mesmo já mortos e mudos) cantarão a minha glória. Não é “cantaram”: é “cantarão”. Neste verso, Ariano retoma aquela subcorrente mística que cerca todas as profecias, todos os movimentos messiânicos. Dias atrás eu estava assistindo A Vida de Brian, o filme do grupo Monty Python sobre um sujeito trapalhão que nasceu no mesmo dia de Jesus e acaba sendo confundido com o Messias. Arranja sem querer uma multidão de seguidores que vêem em cada gesto dele um Sinal, e de nada adianta ele dizer aos berros que não é o Messias. Quando alguém faz uma profecia com a ênfase adequada, poderosas forças do inconsciente coletivo começam a se mobilizar para fazer com que aquilo aconteça. Vai acabar acontecendo; é o que em inglês chamam de “self-fulfilling prophecy”, as profecias que forçam o próprio cumprimento.
Um Profeta não é um sujeito que teve um vislumbre do que vai acontecer no Futuro e transmite para nós essa visão; ele não “prevê o que vai acontecer”. O Profeta é alguém que deseja ardentemente, misticamente, obcecadamente, que algo aconteça, e passa a vida convencendo as multidões de que esse algo acontecerá. Impressiona tanto que, como diz o especialista Paulo Coelho, “o Universo inteiro passa a conspirar a favor dessa idéia”.
Quanto o Rei Cristão da Pedra diz que “os Cantadores antigos cantarão a minha glória”, ele implica que no futuro os versos dos cantadores antigos sofrerão uma releitura em função das façanhas que ele, o Rei, levou a cabo. Onde quer que haja um verso antigo celebrando os feitos de um herói, esses versos serão desconstruídos e reconstruídos para adaptar-se a ele, como se se tratassem apenas de uma previsão, um texto preparatório para a existência daquele herói específico. No Passado os cantadores “cantaram” uma glória abstrata, mas no Futuro “cantarão” as glórias de Fulano de Tal, porque serão lidos de uma maneira diferente. A História pode ser reformatada ao ser relida. O Passado é tão mutável quanto o Futuro. O Presente modifica o Passado, e pode fazer com que mudemos radicalmente a maneira como lemos os textos produzidos pelo Passado. O que os Profetas e os Cantadores antigos disseram ainda não terminou de acontecer.
“Esta é a nossa batalha,
sangrenta, macha e tirana!
Minha espada, a Durindana,
não amostra uma só falha!
Na forja desta Fornalha
eu ganharei a Vitória!
Mas ficarão na Memória
meus malfeitos e perigos,
e os Cantadores antigos
cantarão a minha Glória!”
Perceberam a sutileza? Os cantadores antigos (mesmo já mortos e mudos) cantarão a minha glória. Não é “cantaram”: é “cantarão”. Neste verso, Ariano retoma aquela subcorrente mística que cerca todas as profecias, todos os movimentos messiânicos. Dias atrás eu estava assistindo A Vida de Brian, o filme do grupo Monty Python sobre um sujeito trapalhão que nasceu no mesmo dia de Jesus e acaba sendo confundido com o Messias. Arranja sem querer uma multidão de seguidores que vêem em cada gesto dele um Sinal, e de nada adianta ele dizer aos berros que não é o Messias. Quando alguém faz uma profecia com a ênfase adequada, poderosas forças do inconsciente coletivo começam a se mobilizar para fazer com que aquilo aconteça. Vai acabar acontecendo; é o que em inglês chamam de “self-fulfilling prophecy”, as profecias que forçam o próprio cumprimento.
Um Profeta não é um sujeito que teve um vislumbre do que vai acontecer no Futuro e transmite para nós essa visão; ele não “prevê o que vai acontecer”. O Profeta é alguém que deseja ardentemente, misticamente, obcecadamente, que algo aconteça, e passa a vida convencendo as multidões de que esse algo acontecerá. Impressiona tanto que, como diz o especialista Paulo Coelho, “o Universo inteiro passa a conspirar a favor dessa idéia”.
Quanto o Rei Cristão da Pedra diz que “os Cantadores antigos cantarão a minha glória”, ele implica que no futuro os versos dos cantadores antigos sofrerão uma releitura em função das façanhas que ele, o Rei, levou a cabo. Onde quer que haja um verso antigo celebrando os feitos de um herói, esses versos serão desconstruídos e reconstruídos para adaptar-se a ele, como se se tratassem apenas de uma previsão, um texto preparatório para a existência daquele herói específico. No Passado os cantadores “cantaram” uma glória abstrata, mas no Futuro “cantarão” as glórias de Fulano de Tal, porque serão lidos de uma maneira diferente. A História pode ser reformatada ao ser relida. O Passado é tão mutável quanto o Futuro. O Presente modifica o Passado, e pode fazer com que mudemos radicalmente a maneira como lemos os textos produzidos pelo Passado. O que os Profetas e os Cantadores antigos disseram ainda não terminou de acontecer.
Bráulio, eu concordo contigo, mas penso também que ele, Ariano, se refere àquilo que Cecília Meireles, no Romanceiro da Inconfidência, chamava de "tempo eterno". O personagem que fala, no Romance da Pedra do Reino, é Roldão ("Minha espada, a Durindana"), mas é também o cantador/caveleiro que o encarna.
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