terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

0838) O Demônio Logrado (23.11.2005)



Andei lendo algumas coletâneas de contos populares do ciclo chamado de “Demônio Logrado”. São todas aquelas histórias em que um indivíduo faz um pacto qualquer com o Diabo, oferecendo sua alma em troca de um benefício qualquer, e depois o Diabo aparece para cobrar o prometido. O sujeito (geralmente com a ajuda da esposa) acaba inventando um estratagema para se ver livre do Tinhoso. É um tema comum a todos os folclores, de todas as épocas.

Alguns episódios foram recontados por Altimar Pimentel numa entrevista recente à revista Preá (de Natal). Ele diz que a mulher do sujeito consegue estabelecer com o Diabo um acordo: se ela pedir uma coisa e o Diabo não conseguir executar, o marido tem sua alma de volta. As soluções são várias. Numa delas, a mulher mostra uma lagoa (num dia de sol abrasador) e diz ao Diabo que esvazie a lagoa de todos os sapos que tem ali. E o Diabo se dana a tirar sapo de dentro da lagoa, e os sapos (morrendo de calor) se danam a pular de volta... e aquilo não acaba nunca. Outro estratagema da mulher é soltar um peido e dizer ao Diabo: “Segure isso aí!”

As histórias do Demônio Logrado são uma coisa curiosa. Porque em princípio bastaria ao Diabo recorrer à força bruta ou, por extensão, aos seus poderes sobrenaturais – e tudo estaria resolvido. Ela estalaria os dedos, e a lagoa ficaria esvaziada de todos os sapos, ou então o peido da mulher apareceria preso em sua mão como se fosse uma fumacinha azulada, ou sei lá o que. O Diabo só perde porque aceita as regras de um jogo onde ele forçosamente tem que se nivelar aos mortais, aos humanos. No momento em que ele se nivela, ele se torna igual aos outros, que acabam por se mostrar mais engenhosos do que ele. Quando o campo de batalha não é a força ou o poder sobrenatural, mas a mera engenhosidade, o Diabo não é páreo para a mulher.

Isto me parece uma metáfora da transição entre a Guerra e a Política, ou entre a Violência e a Negociação. A guerra interessa aos povos que são militarmente fortes, e, inversamente, a política interessa aos que são fortes em argumentação, em negociações jurídicas, em Direito Internacional. Os contos do Demônio Logrado servem como advertência aos humanos: “Não lutem com as armas do Demônio, senão vocês estão perdidos; chamem o Demônio para lutar com armas iguais às de vocês”. Mas ao mesmo tempo essas histórias podem servir de alerta ao Demônio, deixando-lhe bem claro que o maior erro que ele pode cometer é abrir mão de seus poderes sobrenaturais. Trazendo isto para o campo da Guerra e da Política, qualquer negociação bem sucedida em que um país militarmente fraco consegue impor seus interesses (geralmente através de uma mediação internacional) a um país militarmente mais forte, serve também de alerta para este último. A Guerra é o momento em que o Diabo resolve usar plenamente seus poderes, em vez de cometer o erro tático de se nivelar aos humanos.

Um comentário:

  1. Corretíssimo. “Não lutem com as armas do Demônio, senão vocês estão perdidos; chamem o Demônio para lutar com armas iguais às de vocês”. Esse será o meu lema daqui para diante!

    Abraços - muita força e inspiração

    Leonardo Nunes Nunes
    http://seguidorlovecraft.blogspot.com/

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