(o Saci Pererê, de Ziraldo)
O mês de outubro espalha pelos muros do Rio as pichações: “Halloween é o cacete!”. São os nacionalistas inconformados com mais esta moda norte-americana que invade nossas escolas, nossos shopping centers, nossas TVs. De fato, o Halloween, ou Dia das Bruxas, é uma coisa típica da cultura de língua inglesa, e só recentemente está botando as unhinhas de fora, doido para penetrar no belo mercado que a classe média brasileira representa. Depois dele, meu Deus, vamos importar o que mais? O Dia de Ação de Graças? O 4 de Julho?
Parece que o deputado Aldo Rebelo, comunista histórico e defensor do idioma, deu entrada num projeto de lei instituindo o Dia do Saci. Eis aí uma contra-ofensiva folclórica que teria divertido Monteiro Lobato! Se bem que este não tinha preconceito algum contra os EUA, pelo contrário: achava que tínhamos mesmo era que imitar o pragmatismo e a seriedade dos americanos, e não hesitou em fazer de Tom Mix, o Gato Félix e Shirley Temple personagens das histórias do Sítio do Picapau Amarelo. Quem é mesmo contra os monstrinhos anglo-saxônicos é o presidente Hugo Chávez, que recentemente andou criticando a importação de hábitos norte-americanos na Venezuela, e o Halloween em particular, argumentando que isto faz parte da cultura americana: “uma cultura do terror, de instilar o medo nos outros países e em seu próprio povo”.
Devagar com o andor, Presidente Chávez. O culto ao medo, o culto aos monstros, aos seres sobrenaturais, não é uma invenção do Governo Bush. Está em todas as culturas, e está muitíssimo na nossa. Se quiséssemos produzir um Halloween tipicamente local, não precisaríamos fazer mais do que consultar a Geografia dos Mitos Brasileiros de Câmara Cascudo, obra tão fascinante e degustável quanto o Livro dos Seres Imaginários de Jorge Luís Borges.
O Halloween americano é uma festa onde se presta culto a esses seres. Nós, aqui no Brasil, não temos uma festa semelhante. Acreditamos em boitatá, mula-sem-cabeça, iara, boto, saci pererê, cramondongue e pé-de-garrafa, mas nunca organizamos essas crenças em torno de uma festa com data e rituais. E por um lado isto é bom, porque mantém essas crenças afastadas das manipulações de publicitários desocupados e comerciantes sem imaginação. Eu mesmo não gostaria de entrar num shopping no “Dia do Saci” e ver a imagem do Saci (ou de outro monstrinho merecedor de respeito) servindo de chamariz para vender tênis (“Compre um pé de Nike para seu saci, e leve o outro de graça!”), cachimbos, bonés ou sei lá o que. O Halloween é uma festa de celebração de rituais pagãos e de medos ancestrais, mas transformou-se numa evento comercial, movido pelo mais terrível medo do mundo capitalista: a Queda nas Vendas. O seu problema não é falar inglês, é falar em cifrões. O perigo que corremos não é perdermos a suposta pureza de nosso folclore, mas reafirmarmos nossa subserviência diante da máxima de que Tudo Pode Ser Vendido.
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