Quem ouviu, não esqueceu nunca mais: um dedilhado vigoroso de violão, recoberto por um solo de flauta de Hermeto Paschoal, e a voz comedida de Edu Lobo fazendo brotar os versos de Capinam: “Era um, era dois, era cem / era o mundo chegando e ninguém / que soubesse que eu sou violeiro / que me desse amor ou dinheiro...” A canção ia num crescendo até o rasgar triunfante do refrão, onde sobressaía a voz de Marília Medalha: “Quem me dera agora / que eu tivesse uma viola / pra cantar!” “Ponteio” ganhou um dos melhores festivais da MPB, o III Festival da TV Record, em 1967. Primeiro lugar, desbancando “Domingo no Parque” de Gil, “Alegria, Alegria” de Caetano, “Roda Viva” de Chico Buarque, e outras. Até um cara radicalmente não-saudosista como eu não pode deixar de murmurar: “Pense num tempo bom!”
https://www.youtube.com/watch?v=NJ8T64nAAHg
Outra canção derrotada por “Ponteio” nesse festival foi uma parceria entre Dori Caymmi e Nelson Motta: “O Cantador”. Foi Dori quem propôs a Edu uma parceria numa canção “sobre cantador de viola”. A parceria não deu certo, e cada qual acabou fazendo uma canção à parte. Quem saiu ganhando fomos nós, com esta bela canção em que Elis Regina subia ao palco cantando: “Amanhece preciso ir / Meu caminho é sem volta e sem ninguém / Eu vou pra onde a estrada levar / Cantador só sei cantar / Eu canto a dor / Canto a vida e a morte / Canto o amor”.
https://www.youtube.com/watch?v=4Nx6HrpkUAM
A nata dos jovens compositores da MPB recorria ao repentista nordestino como símbolo de valores tão caros aos anos 1960: o apego ao aqui-e-agora, o romantismo, a veia poética, a disponibilidade existencialista, a liberdade andarilha de se largar na estrada... Tanto é assim que logo em seguida Sidney Miller ganhou um prêmio de melhor letra com “A Estrada e o Violeiro”, defendido por ele e Nara Leão: “Sou violeiro caminhando só / por uma estrada caminhando só...”
https://www.youtube.com/watch?v=xC0QdX8i1IQ
Canções belíssimas – e um tanto ingênuas, porque provinham de rapazes de classe média urbana, que de cantadores só conheciam as lendas e os livros.
Igualmente bela, e muito mais visceral, é a rústica e sofisticada cantiga de Elomar, a qual ainda hoje arrepia os cabelos do braço de quem entende sua doação ilimitada e kamikaze: “Apois pra cantador e violeiro / só há três coisas neste mundo vão... / Amor, forria, viola – nunca dinheiro! / Viola, forria, amor – dinheiro não!”
https://www.youtube.com/watch?v=WOEb0eqVgAo
Se outros exemplos não houvessem, bastariam estes para comprovar minha tese de que “Canção de Violeiro” é um gênero de música popular brasileira, tanto quanto o maxixe ou o xote.
Se classificarmos as canções pela letra, e não pela música, ganharemos um olhar novo, um ângulo novo para enxergar nosso Cancioneiro. (Ou os demais. Basta não esquecer do bardo Bob Dylan, e dos bluesmen dos EUA, “cantadores de outro sertão”.)
https://www.youtube.com/watch?v=-RNGZMh3TDQ
Vão à estante de CDs e confiram, nas vozes de Zé Ramalho, Chico Buarque, Djavan, Silvério Pessoa, Siba & Fuloresta do Samba, a perpétua louvação da arte de viver de desafio, amar de improviso e morrer de repente.
Silvério Pessoa e Alceu Valença, "Eu vi a Máquina Voadora":
https://www.youtube.com/watch?v=Rzg8vCn5h8w
Quando ouvi Elomar pela primeira vez, sentir algo estranho, impar, nunca visto. Acho que será esta sensação que vou sentir quando chegar ao céu.
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