domingo, 15 de fevereiro de 2009

0801) Deus que venha armado (12.10.2005)


(Viggo Mortensen em Appaloosa)

Não pensem que estou sendo irônico (embora esteja), mas tenho uma admiração danada por esse pessoal que vai votar NÃO no referendo sobre a proibição das armas. A Bancada da Bala, os deputados favoráveis às armas, trabalham para que a população continue armada até os dentes. Outra força importante é o “lobby” dos fabricantes de armas, anunciantes de peso em revista como Veja (uma revista que tradicionalmente faz propaganda de armas de fogo, motosserras, etc.), e que estão apostando todos os seus trunfos neste referendo para transformar de vez o país numa imensa Bagdá. Eu, não. Eu acho que a culpa é de Guimarães Rosa.

Trata-se de uma sinédoque, na verdade: estou usando a parte pelo todo. Quando digo “Guimarães Rosa” estou me referindo não ao Mestre propriamente dito, mas a toda a mentalidade rural, guerreira, desbravadora, faroéstica, que teve e tem tanta influência na nossa formação. Nós, nordestinos, somos especialmente vulneráveis a ela, haja visto o fato de que temos Lampião e Corisco como heróis, e não como bandidos. Cultivamos a crença, em alguma região de nossa massa encefálica, de que homem que é homem parte pra cima. Até mesmo nós, os escritores pacifistas e democratas, que costumamos atribuir a violência de nossas sociedades a Rambo, a Arnold Schwarzenegger, a Van Damme. Ponhamos a mão na consciência, coleguinhas: não somos nós os mesmos que reverenciamos os faroestes de John Ford e Sam Peckinpah, os filmes de samurai com Toshiro Mifune, as novelas jagunças de Mestre Rosa?

Deve ter algo a ver, sim, com índices de testosterona, porque nenhum de nós, numa platéia, fica indiferente a um tiro certeiro ou a um murro bem dado. Aquilo parece uma maneira profundamente satisfatória de resolver um impasse. O problema é o fato de que quando a gente quer parar não pode mais. A violência é sempre o derradeiro recurso; quando ela começa, todo o resto fica cancelado. Eu nunca vi dois sujeitos passarem meia hora discutindo, depois se atracarem aos socos, e depois pararem a briga e voltarem a discutir. Quando o bofete fala no centro, desativa todos os outros programas.

A violência é atrativa porque ela corta o nós-górdios que a inteligência não conseguiu desatar. Em vez de resolver o problema, eliminamos o sujeito que o representa. Depois deste, é claro, virá outro, e depois mais outro, até que o eliminado sejamos nós. Guimarães Rosa dizia (estou citando de memória): “O sertão é assim. Deus mesmo, quando vier, que venha armado. E bala é um pedacinhozinho de metal”.

Pode ser que Deus esteja vindo, e vindo como o Deus dos Exércitos do Velho Testamento, por entre um ratatá de helicópteros e metralhadoras e a trilha sonora da “Cavalgada das Valquírias”. Pode ser que o mundo esteja se encaminhando para a conflagração final do Armagedon, e que tenhamos de puxar a arma para justificar nossa presença aqui. Pode ser. Mas eu acho que não; e voto “Sim”.

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