quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

0789) O mistério de Alice Brady (28.9.2005)


Gosto de histórias de mistério da vida real, história de coisas que aconteceram mas nunca tiveram uma explicação – não porque sugerissem algo sobrenatural, mas simplesmente porque ninguém sabe, de fato, o que realmente aconteceu. É o caso dos crimes insolúveis, cujo autor a polícia nunca conseguiu descobrir; mas não tem necessariamente que ser uma história de violência. Pode ser uma pessoa ou um objeto que desapareceu para sempre, pode até ser uma história com um lado divertido, desde que contenha uma pergunta que talvez nunca venha a ser respondida.

Vejam o caso de Alice Brady, por exemplo. Era uma atriz de talento mediano da década de 1930, e teve o ponto alto de sua carreira em 1938, quando ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, pelo filme In Old Chicago de Henry King. Acontece que Alice estava com um tornozelo quebrado e não pôde comparecer à cerimônia. Quando seu nome foi anunciado, um cavalheiro de smoking subiu ao palco, recebeu o Oscar em nome dela, fez um agradecimento pró-forma e retirou-se. Ele e a estatueta nunca mais foram vistos, porque logo em seguida Alice telefonou para dizer que não, não tinha mandado ninguém representá-la. O malandro levou o Oscar “na mão grande” e ficou por isso mesmo. (Em compensação, a Academia enviou outro Oscar para Alice, que não ficou a ver navios).

Direis agora: “Ah, mas isto foi naquele tempo em que a festa era uma coisa meio privê, não passava via satélite para o mundo inteiro, não tinha centenas de seguranças, maior burocracia, crachá...” E eu vos direi que em 1980, o Oscar de Melhor Curta de Animação foi para o húngaro Ferenc Kofusz. Ao ser anunciado, um cara subiu ao palco, recebeu, agradeceu, tirou retrato, foi para os bastidores e dali sumiu no mundo. Não, não era Ferenc Kofusz. Também não creio que fosse o mesmo cara que deu-um-ganho na estatueta de Alice, 42 anos antes. Era mais um cara esperto que vislumbrou uma brecha e se deu bem.

Eu vejo no caso de Alice em 1938 o lado do mistério, de um pequeno fato que talvez jamais venha a ser esclarecido. Era um ladrão elegante como Simon Templar, “o Santo”? Era um conhecido dela que tinha a intenção de levar-lhe a estatueta, mas depois mudou de idéia? Um executivo menor do estúdio que quis fazer um favor à atriz? Um colecionador? Há várias histórias latentes no episódio, mas a repetição do fato, décadas depois, o empobrece. A coisa cheira a cópia, imitação, golpe pelo golpe, esperteza pela esperteza. Há certos eventos em que uma segunda ocorrência empalidece o brilho da primeira.

O mistério é um fato onde não nos perguntamos simplesmente “por que isto aconteceu”, “por que motivo” alguém agiu assim ou assado, ou “quem fez” tal e tal coisa. O mistério é um fato que todo mundo viu, todo mundo registrou, todo mundo pode checar os dados disponíveis, mas cujo grande magnetismo é ser tão visível e ninguém saber realmente o que foi que de fato aconteceu.

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