Memórias de minhas putas tristes, de Gabriel Garcia Márquez, é um desses livros crepusculares em que um sujeito começa a fazer o balanço da própria vida.
Isto se refere tanto ao autor quanto ao protagonista, um homem que na véspera do seu 90o. aniversário sente-se só e pede para passar a noite na companhia de uma menina virgem. Sendo ele um freqüentador antigo e generoso do cabaré de Rosa Cabarcas, uma cafetina um pouco mais jovem do que ele, não é difícil ter o seu pedido aceito, embora a cafetina, como todo comerciante que se preze, alegue que o pedido dele é muito difícil e vai custar uma nota preta.
O enredo básico não difere muito de outras histórias já contadas pelo autor. O que ressalta neste livrinho de 130 páginas é, mais uma vez, a riqueza e a precisão dos detalhes de local e de época, que dão à obra de GGM aquele sabor peculiar entre o realismo e o barroco, pela impressionante proliferação de pequenos detalhes. E estes detalhes, em contrapartida, servem para montar o painel de uma cidade imaginária mas intensamente verossímil.
O narrador é um dom-casmurro introvertido, que mora na mansão decadente que foi de seus pais (e da qual vai se desfazendo aos poucos, toda vez que tem uma despesa extra), e trabalha como decifrador de telegramas no jornal local, o qual lhe dá como prêmio de consolação o direito de publicar uma crônica por semana.
Para alguns, pode parecer a decadência; para indivíduos ensimesmados, é o Paraíso Terrestre. A questão da solidão não se coloca, porque ali pertinho está Rosa Cabarcas e seu batalhão de beldades aquiescentes e compreensivas.
É uma história de amor, porque na idade do narrador do livro o ato sexual é como um prêmio de loteria: deve-se tentá-lo, mas é aconselhável não ir logo contando com ele.
A garota que a mulher lhe oferece (e que ele chama de “Delgadina”, recordando-se de uma canção popular) prega botões numa fábrica de roupas durante o dia, e ao chegar no cabaré desaba num sono profundo do qual ele não ousa despertá-la.
Começa aí uma curiosa relação amorosa entre o nonagenário e a adolescente, em que ele conversa com ela, enxuga seu suor (são aquelas noites quentes dos trópicos, fervilhantes de mosquitos), canta cançonetas de sua própria juventude, lê O pequeno príncipe – uma espécie de hipnopedia amorosa unindo este ancião cansado da falta de amor e esta garota cansada de trabalhar o dia inteiro.
Os críticos sempre procuram elementos de Realismo Mágico nos livros de GGM (sentem uma obscura sensação de culpa se não o fizerem), e este romance que mistura A Bela (Adormecida) e a Fera passa tirando um fino no limiar do fantástico.
Márquez é um estilista brilhante que tem uma poderosa imaginação para contar histórias. Memórias... é uma noveleta que tem algo de ajuste de contas memorialista, e algo dos amores brutos de seus melhores romances, em que homens gigantescos se defrontam com meninas muito frágeis, com resultados imprevisíveis.
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