Li uma vez, há muitos anos, um comentário de alguém que dizia: “Os verdadeiros heróis da Humanidade são os tímidos. Napoleão invadindo a Rússia ou Colombo descobrindo a América não estavam fazendo mais do que sua obrigação, seu trabalho rotineiro. Mas um rapaz tímido que atravessa um salão e tira uma moça pra dançar, esse sim, está movendo um Himalaia”. Li isso aos quinze anos, e podem falar mal dos textos de auto-ajuda, mas sem o apoio moral desta singela citação eu talvez não tivesse movido alguns dos meus himalaias pessoais.
O tímido é um sujeito que todo dia passa por dez Gênesis e onze Apocalipses. O mundo acaba e recomeça a toda hora, e quem decide uma coisa ou outra é o modo como as outras pessoas o tratam. A descrição mais simples de um indivíduo tímido é: “um indivíduo que hesita, ou que deixa de agir, porque teme que sua ação o coloque numa posição de perigo, ou de embaraço, ou de envergonhamento público”. Woody Allen disse uma vez que existem sujeitos capazes de fazer um papel ridículo até mesmo quando estão sozinhos, sem ninguém olhando. É uma boa pista para identificar a raiz desse medo pânico que o tímido tem do “ato de agir”. Como dizia Sartre, “o inferno são os outros”. O tímido é basicamente um narcisista, e os outros são o espelho. Ele só acredita ser aquilo que os outros dizem que ele é.
Conheço um cara que foi morar numa pensão de estudantes e passou as primeiras 36 horas trancado no quarto, morrendo de fome, sem coragem de descer para o refeitório. Conheço um cara que na infância passou uma semana sendo chamado por outro nome pela professora, que o confundiu com outro aluno, até que ela deu pelo erro e perguntou: “Mas por que você não disse que seu nome não era esse?” Conheço um cara que já pagou um grande mico porque não conseguia perguntar onde era o banheiro. Conheço um cara que bebeu até desacordar porque o garçon não parava de trazer chopes e ele não sabia como pedir-lhe que parasse. Conheço um cara que... bom, melhor parar por aqui, senão o leitor irá pensar que é de mim mesmo que estou falando.
O tímido prefere a certeza do fracasso à dúvida quanto ao êxito. Kafka era um tímido, Bertrand Russell também. Mário Quintana e Luís Fernando Veríssimo são prova de que até os gaúchos podem ser tímidos. Borges prova o mesmo dos argentinos. A timidez, curiosamente, é um dos caminhos possíveis para a genialidade, porque injeta no organismo humano doses gigantescas de uma espécie de adrenalina analítica, uma substância hormonal que faz o sujeito pensar dez vezes mais depressa e agir dez vezes mais devagar. O tímido está com fome, mas passa na frente de quinze lanchonetes e em cada uma delas encontra um motivo para pensar que não, afinal de contas não está com tanta fome assim. Todos os seus dramas são silenciosos, todas as suas tragédias são íntimas, e por trás daqueles olhos meio ausentes perduram os ecos de cem gritos do Ipiranga, e as cicatrizes de duzentos Waterloos.
Realmente, os textos de autoajuda aliviam os calos de quem está sofrendo e não qualquer pé. Por isso tantos os criticam. A timidez, como prudência exagerada, tem uma cura relativamente rápida, e a prudência perdura por toda a vida. É uma timidez benigna. Já a que envolve outras causas, motivos, razões e circubstâncias, aí... é brabo! _Abraço.
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ResponderExcluirUm tímido sente-se mais aliviado quando sabe da existência de outras pessoas que vivenciam do mesmo "mal" que eles. É tipo o cara baixinho, que adora encontrar alguém menor do que ele.
ResponderExcluirps. gostei do texto.
A timidez quando moderada é uma grande aliada.Vejo-a em mim e nos outros como uma escala métrica. No grau 10, muito perniciosa como fui aos 15 anos ao ponto de um colega pronunciar por mim a palavra presente na chamada no inicio das aulas. Como também é um desastre a ausência da timidez que acompanha aquele chato folgado,geralmente insensível e que termina na solidão.
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