Quando um dia eu tiver tempo, ou energia, ou inspiração, vou escrever um livro de 400 páginas dedicado ao estudo de um certo tipo de escritor que denomino “as almas crepusculares”. São aqueles indivíduos silenciosos, introspectivos, com pouco ou nenhum contato com o mundo exterior, que passam a vida inteira mergulhados nos livros ou nas suas próprias meditações, e cuja obra reflete essa condição de alheamento.
Em geral são sujeitos puritanos, com pouco contato com mulheres. A maioria nunca se casou, vários deles mantiveram-se praticamente virgens até a morte, e outros conseguiram encontrar uma esposa compreensiva o bastante para aceitá-los e manter-se ao lado deles a vida inteira, cuidando deles, sem atrapalhar.
Um deles foi Jorge Luís Borges, um dos sujeitos mais tímidos que a extrovertida cultura argentina já produziu. Sua vida sexual foi menos movimentada do que a de muitos bispos norte-americanos. Morou a vida inteira com a mãe, lendo livros de filosofia e tecendo labirintos mentais.
Outro desses foi H. P. Lovecraft, o mestre das histórias de terror, que afirmava ser uma alma do século 18 perdida no século 20, e cujo principal contato com o mundo eram as cartas de 20 ou 30 páginas que mandava para os amigos.
Não devemos esquecer de Nathaniel Hawthorne, mergulhado no coração puritano na Nova Inglaterra, um recluso que disse certa vez: “Me transformei num prisioneiro dentro de um calabouço, e mesmo que a porta estivesse aberta teria medo de sair.”
Não está muito longe deles o nosso Augusto dos Anjos com seu temperamento sombrio, mergulhado numa vida imaginativa de rara intensidade. Ou Franz Kafka; Cornell Woolrich; J. R. R. Tolkien.
Não estou radicalizando, não afirmo que esses sujeitos nunca tiveram vida social. Estou colocando-os num extremo de uma escala que no extremo oposto tem indivíduos sanguíneos, extrovertidos, saudavelmente animais, intensamente gregários: gente como Hemingway, Neruda, Henry Miller ou Vinicius de Morais.
Também não digo que estas “almas crepusculares” fossem somente homens: basta pensar em Virginia Woolf ou Emily Dickinson.
Chamo-os “crepusculares” não apenas pelo clima de melancolia e solidão que cercou as suas vidas, mas também porque todos viveram naquela “Twilight Zone” em que realidade e fantasia pouco se distinguem. Todos cultivaram o hábito da introspecção, dos longos dias de solidão meditativa, da leitura e escritura de textos voltados para o seu próprio mundo mental.
Não foram homens de ação, não foram adeptos de intensas atividades físicas, não cultivaram o prazer sensual, as aventuras amorosas, a variedade de experiências sexuais. Contentaram-se com o celibato, ou com um casamento sisudo e sem surpresas. Pareciam pedir ao mundo físico à sua volta que andasse na ponta dos pés, que não fizesse barulho, que os importunasse o mínimo possível, porque eles se sentiam no umbral de outro mundo, que só eles viam, e onde se sentiam muito mais em casa.