segunda-feira, 17 de novembro de 2008

0636) O falso bis (2.4.2005)



Não agüento mais o tal do “falso bis” que virou uma moda nos shows, de uns 20 anos pra cá. Depois de uma hora e meia de show, a gente sente que está perto do fim. As músicas vão num “crescendo”, aí depois da mais animada delas a banda finaliza, tira os instrumentos do pescoço, acena, se despede, “Aí galera, valeu, brigadão, vocês são maravilhosos, té a próxima”, e sai do palco. Luzes do palco se apagam, som é desligado.

Aí, duas coisas podem acontecer. Uma delas é a platéia estar tão animada, ou ter gostado tanto do show, que quer mais, mais, mais. Não arreda pé dali, e tome palma, e tome a bater com os pés no chão, e a esmurrar as mesas, gritar, pedir. E os minutos estão se passando. Os músicos já voltaram ao camarim, jogaram no chão as camisas empapadas de suor, passaram uma toalha ou tomaram um chuveiro rápido, um acendeu um cigarro, outro abriu uma cerveja... Aí chega alguém da produção: “Olha, vocês vão ter que voltar ao palco, senão eles quebram tudo, o pessoal tá enlouquecido. Volta lá e faz um bis”.

Quando isso acontece, tudo bem. Mas, pasmem. Em 99% dos shows que ocorrem no Brasil, não é assim. A banda encerra, sai do palco, some nas coxias, e aí as palmas vão morrendo. Todo mundo volta sua atenção para a mesa, as cervejas, os pratinhos, a conta. Todos gostaram do show, estão satisfeitos. Ninguém está batendo palma. Ouve-se apenas o zum-zum-zum da conversa, dos comentários, “adorei aquela música nova”, “você viu aquele solo de bateria, que coisa”, todo mundo feliz com um show que satisfez a expectativa. Aí... de repente... as luzes do palco se acendem! A banda está voltando! O vocalista pega o microfone, “Tudo bem, galera, já que vocês insistem...” Aí cantam duas ou três músicas que não tinham cantado até então. Ninguém pediu que voltassem. Mas eles não querem ir embora sem mostrar aquelas músicas que visivelmente estavam ensaiadas para fazer parte do show.

Se não me engano foi Rita Lee no fim dos anos 1970, na época de “Mania de Você”, quem inventou essa moda: no bis, em vez de repetir uma música, mostrava um pequeno bloco de canções que não tinham sido cantadas ainda no show. Era uma surpresa, uma delícia para a euforia da platéia. Na época foi vanguarda, foi inovação. Hoje, virou cacoete insuportável, repetição mecânica e idiota de um ritual sem sentido. Acabem com isso, coleguinhas. Não tem nada a ver. A gente concede “bis” a uma platéia quando ela pede, e pede muito, depois de dez minutos ininterruptos de gritos e sapateios. Não paguem o mico de voltar ao palco sem ninguém ter chamado. Sabem o que se diz nas mesas? “Oxente, lá vem o besta de novo, não me diga que vai recomeçar tudo...”

Músicos voltam ao palco porque o bis, em vez de ser uma exceção, virou uma obrigação, uma regra besta. Na mentalidade idiota de hoje, show sem bis é porque não prestou. Tá errado. Façam o show de A a Z, e se acharem que ainda não satisfizeram a platéia, então é porque o show é ruim mesmo, arrumem uma lavagem-de-roupa e esqueçam esse negócio de música.

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