quarta-feira, 15 de outubro de 2008

0602) A música na poesia (22.2.2005)




(Robinson Jeffers)

Um comentário de Robinson Jeffers nos anos 1930 sobre os rumos da poesia em sua época pode nos ajudar a entender melhor o que acontece na poesia de hoje. Numa introdução a uma de suas coletâneas, ele afirmava que os poetas estavam buscando a originalidade 

“...indo cada vez mais longe numa direção que talvez lhes tivesse sido indicada pelo sonho já ultrapassado de Mallarmé, uma poesia divorciada da razão e das idéias, e aproximando-se cada vez mais da música. Parece-me que Mallarmé e seus seguidores, renunciando à inteligibilidade a fim de se concentrar na música da poesia, transformaram num beco estreito o que era uma larga avenida; as idéias sumiram, agora a métrica sumiu, as imagens irão sumir; em breve, até as emoções reconhecíveis acabarão sumindo também.”

A poesia consta basicamente de três entidades a que Ezra Pound chamava de “logopéia”, “fanopéia” e “melopéia”, se bem que eu prefiro chamá-las respectivamente de “idéia”, “imagem” e “música” (não ficou mais claro?). Lidar com estes três elementos é difícil, mas fica mais difícil ainda quando a gente não sabe que eles existem. 

O que Jeffers critica (com severidade excessiva, acho) em Mallarmé e seus seguidores é o fato de que nesses poetas o que importa é “a música, acima de todas as coisas”, a sonoridade multicor das vogais e das consoantes, o jogo intrincado das sílabas fortes e sílabas fracas sugerindo diferentes ritmos para um mesmo verso, as ressonâncias culturais e psicológicas do som de uma palavra evocando o som de outras como se fossem várias sombras projetadas por um mesmo objeto.

Existem poemas assim, e poetas assim. Jorge Luís Borges ironizava os poemas de Edgar Allan Poe, dizendo que ele tinha sido conhecido como “o poeta do retintim”, da sonoridade fácil (talvez por causa de “The Bells”), mas mesmo sem entender uma só palavra de um poema como “Ulalume” qualquer sujeito com veia poética capta naquelas sons todo o clima ominoso de presságio, toda a fatalidade guardada naquela paisagem sombria. Música e imagem fazem deste um grande poema; quanto à idéia, ainda hoje é tema para debates.

Escolhi a citação de Jeffers para o artigo de hoje porque vivemos uma situação inversa. Hoje em dia, a poesia parece muito voltada para a idéia: ou é desabafo afetivo, ou elucubração existencial, ou crítica social. 

Ela dá atenção às imagens apenas quando precisa de metáforas para transmitir seu conteúdo, e, quanto à música... nada, ou muito pouco. A maioria dos poetas parecem ser “auditivamente prejudicados”. O que predomina é, disparado, a Idéia. Escreve-se poesia para falar de um determinado assunto, de preferência em verso livre e sem rima (para dar menos trabalho). 

O poema que mais se vê por aí é o veículo de uma idéia, mas não constitui um objeto verbal com existência sensorial própria. 

Misturar música, imagem e idéia é como misturar café, açúcar e leite. Quando um dos três aumenta muito, a mistura desanda.






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