(Mário de Andrade, por Di Cavalcanti)
Uma das profissões que eu mais admiro é a de etno-musicólogo, esses sujeitos que saem de mundo afora, registrando manifestações musicais de comunidades obscuras, e encontrando formas de música que ninguém sabia que existiam. Por exemplo: qualquer dinamarquês ou suíço que desembarque na Paraíba e dê de cara com Zabé da Loca. O problema com a etnomusicologia é que vendo o nome assim ninguém deduz o que é, pode até pensar que tem a ver com pesquisa de vulcões. Sugiro então a criação do termo ECOLOGIA MUSICAL, cujo significado é mais intuitivo, e tem a grande vantagem de poder entrar sob a rubrica “ecologia”, que anda na moda, para conseguir verbas das multinacionais e dos órgãos do Governo.
O melhor trabalho de Ecologia Musical deste começo de ano é o CD duplo Responde a Roda Outra Vez, um projeto de Carlos Sandroni, patrocinado pela Petrobrás. A pesquisa procurou reconstituir o trajeto de uma missão cultural enviada ao Nordeste em 1938 por Mário de Andrade, então Chefe do Departamento de Cultura de São Paulo. O resultado dessa Missão são 33 horas de gravações, mais fotos, filmes, etc., hoje disponíveis no Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro. A equipe de Sandroni visitou grande parte das cidades onde a Missão de 1938 fez suas gravações, e chegou mesmo a reencontrar pessoas que tinham participado da primeira gravação. É emocionante pensar que houve uma mulher gravada pela Missão de 1938, aos 20 anos, e que voltou a cantar neste disco, aos 86.
Pretendo falar de novo no disco depois que ouvir direito (são 57 faixas, minha gente), mas cabem aqui alguns comentários sobre essa história de Ecologia Musical. Sou totalmente a favor do esforço de preservar plantas, árvores, flores raras, assim como bichos de todo tipo, sejam insetos amazônicos, peixes do Pantanal ou micos da Mata Atlântica. Nada contra, mas esse espírito protecionista poderia ser alargado para incluir, além da Natureza, o mundo da Cultura. A Cultura, produto do Homem, é um subproduto da Natureza. Um Rembrandt vale tanto quanto um gato.
Não se trata de pegar um cântico folclórico e colocá-lo num Museu, embora isso possa ter sua utilidade. No mundo da cultura popular (os folguedos, os cantos, os autos, as danças dramáticas, as danças de roda) os adultos jovens criam, os velhos (que são eles mesmos, meio século depois) passam adiante. Existe uma criação quase permanente, mas ela só existe em cima da repetição ritual do que foi aprendido. Quando você não registra e não passa adiante, impede a criação futura. Para usar uma metáfora agrícola, bem ao gosto do pessoal que mexe com isto, o Passado fertiliza o Presente para o Futuro poder brotar. Assim, quando a gente defende a preservação da Nau Catarineta, dos Teatros de Mamulengos, dos Cantos de Farinhada, e coisa e tal, não é por saudosismo do passado-que-já-se-foi, ou por estar com pena dos velhinhos. É para que a criança de hoje possa também criar, quando crescer.
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