quinta-feira, 9 de outubro de 2008

0585) O diálogo no cinema (2.2.2005)



Falei nesta coluna, a propósito do número “Matuto no Cinema”, de Jessier Quirino, como grande parte dos diálogos de filmes são irrelevantes, porque somos capazes de entender o que está sendo dito, sem necessariamente entender as palavras. 

Claro que isto não acontece o tempo todo, mas acontece com frequência suficiente para nos fazer ver que no cinema a grande maioria das coisas pode ser narrada apenas com imagens, e o diálogo deve ser usado para explicar só o que é absolutamente essencial. 

No monólogo de Jessier, o Bandido diz para o Artista: “Não-sei-que-lá, não-sei-que-lá, não-sei-que-lá, seu cába safado!” O texto é o que menos importa. A cena deu seu recado. 

Anos e anos de cineclubismo me fizeram passar noites inteiras em festivais ou em cinematecas assistindo um filme tcheco com legendas em italiano, ou um filme japonês com legendas em alemão. Em casos assim, a melhor coisa a fazer é esquecer as legendas, e ficar prestando atenção ao “não-sei-que-lá” dos personagens. A gente começa a perceber que grande parte do filme, o seu lado emocional, passa sem problema algum. 

Podemos não saber por que o rapaz e a moça estão brigando, ou por que motivo aquele telefonema deixou o sujeito tão preocupado; mas o que acontece emocionalmente entre os personagens é revelado pelo jogo sutil entre o ator e a câmara. O sujeito entra no quarto, olha para a mulher e diz: “Não-sei-que-lá, não-sei-que-lá!” Aí a mulher começa a tirar a roupa. Que importância tem o que ele disse? O que conta é o tom da voz. 

Roteiros mal-feitos geralmente se apóiam totalmente no diálogo, porque não sabem contar o filme através de imagens. É como aqueles filmes policiais onde na cena final, numa tempestade, o detetive está de volta ao local do crime, encontra a namorada, e os dois travam, debaixo de chuva e trovões, um diálogo explicativo: 

-- Samantha! Quer dizer então que naquele dia em que você fingiu desmaiar, estava apenas fornecendo um álibi para o Dr. Williamson! Então, você é a herdeira desaparecida da fortuna dos Hawthorne!

E ela grita: 

-- Não! Eu estava na verdade despistando a quadrilha dos Stompanato, porque Williamson era um testa-de-ferro e era meu contato! Eu sou uma agente do FBI disfarçada de garota-de-programa! 

Ou seja: se o espectador não entender o “não-sei-que-lá” deles, não entende nada do filme. 

Todo filme precisa de diálogos. Uma comédia tem que dizer (e não apenas mostrar) coisas engraçadas. Filmes-cabeça precisam filosofar de vez em quando. Filmes policiais precisam explicar como o crime foi cometido. O problema é quando o diretor “desliga” a imagem e se concentra só na fala, ou vice-versa. 

Imagem e som, no cinema, são como música e letra, na canção. Alguma coisa interessante tem que estar acontecendo o tempo inteiro em cada um desses canais, enriquecendo o outro, sem o atrapalhar. Quando um dos dois se torna dispensável e irrelevante, o filme ou a canção derrapam e perdem contato com a nossa atenção.





Um comentário:

  1. Amigo Braulio, tomei a liberdade de linkar o seu blog no meu blog, a ousadia tambem se justifica por ter postado um texto em sua homenagem que divido de forma igualitaria ao parceiro Lenine, que leva o nome de O POETA.
    Abro a fresta no meu blog para o infinito mundo de ideias e caminhos que propoeo seu blog. E tudo isso ao alcance de um clik. Abs do amigo Ribamildo.

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