sábado, 27 de setembro de 2008

0561) Queremos filmes iraquianos (5.1.2005)



O New Statesman resenhou recentemente um livro de Atom Egoyan e Ian Balfour, Subtitles: on the foreigness of film, onde são discutidas questões sobre dublagem e legendagem de filmes estrangeiros. Existem países onde a legendagem é prática corrente (como sempre foi o caso aqui no Brasil), deixando-se a dublagem para os filmes infantis, ou para cópias especiais de filmes de sucesso. Em outros, todo filme é dublado. Um dos maiores sustos que tive na vida foi entrar num cinema na Espanha para assistir o primeiro Batman e descobrir que o mesmo era dublado. Era estranho passar a noite inteira ouvindo falar em “Hombre Murciélago”.

O autor do artigo cita a certa altura a crítica norte-americana B. Ruby Rich, que, defendendo a importação de filmes não-americanos para os EUA, diz: “É mais difícil matar pessoas quando você é capaz de ouvi-las falando. É mais difícil bombardear um país quando você já viu suas cidades em filmes aos quais se afeiçoou.” Eu, que sou um sujeito cheio de preconceitos, posso atestar a verdade desse argumento. Durante muitos anos detestei solenemente o Irã. Na minha mente, era uma porção de mesquitas repletas de aiatolás vociferantes e de assassinos fundamentalistas revirando o mundo à caça de Salman Rushdie. Foi preciso que filmes iranianos começassem a passar aqui no Rio de Janeiro para eu me tocar que o Irã não é muito diferente da Paraíba. É um país de gente comum, sacrificada, alegre, tentando viver suas vidas da melhor maneira possível. Tem suas excentricidades religiosas, mas quem somos nós, que vivemos à sombra de Frei Damião e do Padre Cícero, para estranhar as devoções alheias?

Nunca vi um filme iraquiano, mas, por associação de idéias, acabo imaginando (v. “O Iraque é aqui”, 23 de dezembro) que a diferença entre Iraque e Irã é mais ou menos como a diferença entre Alagoas e Sergipe. Para ser sincero, não acho que o brasileiro médio precise ver filmes iraquianos para se convencer de que aquele povo é parecido com o nosso. Quem deveria passar por esta higiene mental era o público norte-americano, para quem todas estas guerras são benéficas, mesmo que matem metade da população do país, porque a metade sobrevivente terá enfim a possibilidade de lanchar num MacDonald´s e de ver filmes de Julia Roberts.

Dizem que, nas antigas execuções por decapitação ou fuzilamento, a tradição de cobrir o rosto do condenado com um capuz provinha do receio de que se os carrascos cruzassem os olhos com os dele poderiam acabar se comovendo com sua expressão de súplica ou de terror. A gente mata com mais facilidade alguém com quem não tem uma relação próxima. Um carrasco (ou um Fuzileiro Naval) pode dizer a si próprio que é apenas um funcionário público, está apenas cumprindo uma ordem judicial, que não há nada de pessoal naquilo, e que não conhece aquele cara que está ajoelhado diante dele, com a cabeça apoiada no cepo, esperando o machado.

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