domingo, 14 de setembro de 2008

0546) Cem milhões de origamis (18.12.2004)



Thaksin Shinawatra, o primeiro-ministro da Tailândia, está se defrontando com uma situação problemática em seu país. As províncias tailandesas do Sul são habitadas por muçulmanos, num país de maioria budista, e isto provoca freqüentes choques armados que só este ano já causaram mais de 500 mortes. O “premier” precisava de uma campanha de marketing para amainar o ímpeto separatista daquela região, para fazê-los sentirem-se amados e respeitados pelo restante da população, e aí teve uma brilhante idéia.

Todo mundo sabe o que é o “origami”, a antiga arte oriental de fazer figuras com papeizinhos dobrados. A garça de papel é considerada um símbolo de paz no Japão e em todo o Oriente. Shinawatra propôs à população que todos se unissem num mutirão cívico para fazer 62 milhões de garças de papel (uma para cada habitante do país), que no dia do aniversário do rei Bhumibol Adulyadej, 5 de dezembro, seriam atiradas do céu sobre as províncias do Sul. Instruções sobre como fazer a dobradura foram afixadas em edifícios públicos e divulgadas pela imprensa; postos de coleta para receber os origamis prontos foram espalhados por todo o país.

No último dia 5, mais de 50 aviões militares, cada um carregado com uma média de 50 mil origamis, fizeram repetidos vôos rasantes sobre a região do Sul, despejando sua carga de passarinhos de papel. Multidões se aglomeraram ao ar livre para recolhê-los, porque o Governo também baixou instruções sobre a coleta do lixo resultante do evento. E havia um prêmio especial para quem achasse um origami dobrado e assinado pelo próprio “premier”.

O número de origamis caídos do céu oscilou entre 60 e 100 milhões, de acordo com diferentes jornais. Algumas pessoas adoraram, outras torceram o nariz. Um muçulmano protestou: “Ninguém vai ligar para esses pássaros aqui, mesmo que eles fossem feito de dinheiro dobrado. Será que eles não entendem que um muçulmano não adora símbolos, adora somente a Alá?”

A primeira leitura que isto me sugere é pensar que não existem limites para o que se chama hoje “o Estado espetáculo”, os governos que transformam o ato de governar numa mistura de reveion, quermesse e parada de 7 de setembro. A segunda é que também não existe limite para o delírio dos poderosos. Eu bem gostaria de saber o que é que esse premier anda fumando. Mas a terceira leitura que me ocorre é ver o lado onírico, o lado poético dessa chuva de milhões de avezinhas brancas caindo sobre as cabeças de todo mundo. Existe poesia nisso, mesmo tendo sido idéia de um Governo para enganar os bestas. Existe uma beleza meio infantil nessa cena, que parece um quadro de Chagall, parece um conto dos cronópios de Julio Cortázar, parece um filme de Hayao Miyazaki (o que fez A Viagem de Chihiro), parece uma história em quadrinhos de Moebius. Ah, se toda bobagem inútil e megalomaníaca dos governos tivesse um resultado assim.

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