Dias atrás, comentei aqui (“O Modelo e o Produto”, 3 de novembro) o modo como a indústria cultural, além de fabricar livros em massa, fabrica também fórmulas em massa para produzir textos literários. Isso não foi uma invenção da indústria, foi uma invenção dos escritores. E é um mecanismo natural da criação artística. Se você for analisar os poemas religiosos dos sumérios e caldeus, vai ver a mesma coisa acontecendo. Um sacerdote com veleidades poéticas fazia um hino agradecendo aos deuses pela bênção da colheita, e o hino fazia o maior sucesso. Aí tempos depois outro sacerdote esperto pegava o mesmo modelo e fazia um hino agradecendo pela chuva. Surgiam aí os gêneros literários, obras que compartilham um certo conjunto de características, que se pode reconhecer de imediato, mas que trazem elementos novos: novas abordagens, sub-temas, variações de linguagem.
Quando os poetas concretistas de São Paulo (os irmãos Campos e Décio Pignatari) criaram no Brasil o movimento da Poesia Concreta, muita gente começou a fazer poemas seguindo os mesmos princípios: cancelamento quase total do verso discursivo, da estrofe e da rima tradicionais; exploração da visualidade das palavras, da sua disposição no branco da página; jogos com a sonoridade das palavras, e com sua aparência visual, etc. Toda vez que você cria obras de arte que pretendem quebrar um modelo já existente, você está criando um modelo novo. E outros artistas irão utilizar esse modelo para criar novos produtos. É o movimento natural da criação artística. Não interessa aqui discutir se o modelo é bom ou ruim, ou se os produtos são bons ou ruins, até porque esses conceitos são subjetivos. Mas esse processo de surgimento constante de Modelos e Produtos ocorre na poesia de vanguarda, no filme de faroeste, na pintura abstrata, na comédia teatral, na literatura de cordel, no rock, na música sacra orquestral, nas histórias em quadrinhos. Existe em todo canto.
Fala-se que os gêneros são típicos da literatura de massas (policial, terror, romance, espionagem, etc.), mas eles existem também na literatura erudita. Há por exemplo o Bildungsroman, o romance de formação, que narra a trajetória de um personagem da infância à maturidade, como em A Montanha Mágica de Thomas Mann e o Retrato do Artista Quando Jovem de Joyce. Eu diria que o “Triângulo Amoroso” constitui um gênero literário à parte, tal a solidez de sua estrutura básica, que permite, sem sofrer alterações, incontáveis variantes, de Dona Flor de Jorge Amado a Dom Casmurro de Machado. A “Saga Familiar”, história de uma família ao longo de décadas ou séculos, é um gênero literário à parte, não é mesmo? O mesmo pode-se dizer do “Romance Marítimo”, que vai de Moby Dick às obras de Joseph Conrad. A chamada literatura erudita não é mais imune aos modelos repetitivos (ou seja, aos gêneros) do que a literatura popular.
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