O novo filme de Bruno Barreto, que deve estrear neste fim de ano, é uma divertida comédia onde a situação clássica de Romeu e Julieta (amantes que pertencem a famílias rivais) é transposta para a São Paulo de hoje. Julieta (Luana Piovani) pertence a uma família de torcedores roxos do Palmeiras, e ela própria é jogadora. Acaba se apaixonando pelo corintiano Marcus Ricca, que, para poder ter acesso à amada, finge torcer pelo Palmeiras, o que desperta a ira de sua própria família, toda ela de corintianos roxos. O filme tem bons momentos de comédia e bons momentos de captação do espírito do futebol, principalmente nos primeiros dez minutos, em que os personagens principais são as torcidas do Palmeiras e do Corinthians.
É engraçado que o futebol, uma das atividades mais definidoras do conceito de brasilidade, não tenha nem um grande filme nem um grande livro aqui no Brasil. Existem, é verdade, grandes documentários e grandes ensaios literários. Mas não temos um grande filme de ficção sobre futebol, e não temos um grande romance. Nunca entendi por que. O filme de Bruno Barreto, aliás, não é sobre o jogo de futebol, e sim sobre a psicologia do torcedor, o fanatismo, a rivalidade de torcidas. É sobre o futebol em volta do campo, e não dentro do campo.
O problema parece ser dentro do campo. A coisa mais difícil do mundo é encenar um jogo de futebol que pareça de verdade. O futebol é rápido demais, atravancado demais, muito cheio de esbarrões, de quedas, de coisas mal-feitas. Quando um roteirista descreve uma jogada e os atores-jogadores a ensaiam longamente, sai tudo tão certinho que parece videogame. Não engana ninguém. O espectador sabe, de cara, que aquilo não é um jogo, é uma porção de caras fingindo que estão jogando.
Isto é visível até em algumas tentativas mais ambiciosas, como o filme de John Huston Escape to Victory (1981), que imagina um jogo entre prisioneiros aliados e oficiais nazistas, durante a II Guerra. O time dos aliados é um “misto quente” de atores (Michael Caine, Sylvester Stallone) e jogadores (Pelé, o inglês Bobby Moore, o argentino Ardiles). O clímax do filme é um gol de bicicleta, mas como sempre acontece, tudo é ensaiadinho demais; falta aquela sensação de imprevisibilidade e de improviso que é um dos charmes de um verdadeiro jogo de futebol.
Mostrar futebol no cinema é como mostrar repentistas fazendo versos na literatura. Se um escritor escreve um conto onde acontece uma Cantoria de Viola, como passar para o papel aquela sensação de obra-se-criando, de coisa feita-na-hora, que é o cerne de uma cantoria? Os versos acabam saindo bem-feitinhos demais, não parecem improvisados. O leitor sempre fica com a sensação de que foi tudo ensaiado, tudo combinado, tudo preparado pelo autor para resultar da forma que resultou. Falta aquela vertigem da coisa acontecendo na hora, pela primeira e única vez, que é a grande magia da Cantoria e do Futebol.
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