terça-feira, 12 de agosto de 2008

0509) O mistério do esporte (5.11.2004)



Eu entendo de beisebol mais ou menos o mesmo-tanto que Fernando Henrique Cardoso entende de futebol, ou seja, bulufas. A única coisa que eu sei é que quando aquele sujeito arremessa a bola o outro tem que acertá-la com o bastão e mandá-la o mais longe possível; e que alguém tem que correr atrás e segurá-la antes que ela toque no chão. E morreu aí. Não sei para que serve isso, e nem sequer distingo um time do outro, porque os uniformes me parecem sempre iguais. Mas existe uma coisa mágica no esporte que faz com que até mesmo um esporte-em-japonês como este tenha seus momentos de beleza acessíveis a um desinformado como eu.

Por exemplo: o Boston Red Sox acabou de ser campeão norte-americano (ou campeão da “World Series”, como eles modestamente se intitulam). A última vez que este time tinha ganho o título foi em 1918, ou seja, 86 anos atrás. Pelo que vi na imprensa americana via Internet, foi um carnaval que botou no bolso o do Corinthians quando ganhou o Campeonato Paulista em 1977 (jejum de 22 anos) ou do Botafogo ao ser campeão carioca em 1989 (jejum de 21 anos). Os dois principais jornais de Boston puseram na rua edições especiais comemorando o feito. O Boston Globe fez uma tiragem de 1 milhão de cópias (quando o normal numa quinta-feira é de 525 mil) com uma foto de meia página e a manchete gigantesca: “YES!!!”. O Boston Herald, cuja tiragem é de 300 mil, tirou três edições num total de 750 mil, com outra foto enorme e a manchete: “AMÉM!”.

Pelo que entendi da contagem de pontos e das tabelas que vi, os Red Sox tinham derrotado nas semifinais seus arqui-inimigos, os New York Yankees, por 4x3, numa melhor de sete jogos em que chegaram a estar perdendo por 3x0. E na melhor-de-sete final, contra os Saint Louis Cardinals, arrasaram por 4x0. Foram oito vitórias seguidas, várias delas, segundo os comentaristas, cheias de lances cruciais, daqueles em que se o jogador errar o “tiro” o time perde o jogo e o título. Em Boston tem nego bebo até hoje, dançando em cima dos muros. E eu aqui no Brasil, me emocionando com um resultado num jogo que não entendo!

Esporte é esporte. No dia 20 de dezembro de 2000, Palmeiras e Vasco decidiram no Palestra Itália a Copa Mercosul. Primeiro tempo, Palmeiras 3x0. No segundo, o Vasco virou para 4x3 e foi campeão, com Romário fazendo o quarto gol aos 48 minutos. Na tarde seguinte, eu tinha uma reunião na Editora Sette Letras, com meu editor, Jorge Viveiros de Castro. Chegando lá, encontrei-o conversando com o poeta Armando Freitas Filho. Conversa vai, conversa vem, acabamos falando de futebol, perguntamos quem torcia por quem. Descobrimos que Armando era tricolor, Jorge botafoguense e eu flamenguista. Houve um silêncio implícito, carregado de cautela, cumplicidade e respeito. E então um de nós disse: “Bem, já que estamos em família... Que ninguém nos ouça, mas o Vasco ontem, hem? Botou pra f...!” É o mistério do esporte.

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