(foto do saite Haunted When It Rains)
Um dos meus filmes de terror favoritos, em tempos recentes, foi Os outros, de Alejandro Amenabar, aquele em que Nicole Kidman mora com os filhos numa mansão sombria lá no fim do mundo, cercada por um misterioso grupo de criados. O leitor há de lembrar uma cena em que Kidman descobre na casa um velho álbum de fotos mostrando pessoas de olhos fechados, estiradas em suas camas. A criada explica que ali naquela região era costume fotografar assim as pessoas mortas, antes de enterrá-las; uma espécie de última recordação.
Este detalhe me impressionou, porque existe aqui no Nordeste uma tradição parecida. Lembro de ter visto, quando era pequeno, várias dessas fotos de defuntos. Vi outras depois, em livros ou em documentários de cinema que reconstituem esses costumes. Algumas fotos mostram o defunto já no caixão, colocado de pé, apoiado à fachada da casa. Desde menino estas fotos me produziam um imenso medo, pelo modo palpável como a morte se tornava presente. Nunca tive muito medo de bobagens como vampiros, frankensteins ou lobisomens; mas ainda hoje a visão de um defunto amortalhado dos pés à cabeça me provoca um certo incômodo emocional.
Este incômodo, no entanto, não é forte o suficiente para me fazer afastar os olhos quando essas coisas surgem na minha frente. (É como aquela frase de Zeca Pagodinho: “O cigarro e a bebida são os maiores inimigos do homem, mas o homem que foge de seus inimigos é um covarde!”) Foi, portanto, com um misto de horror e fascinação que, após clicar um link pouco elucidativo, fui parar no saite “The History Broker”, com reproduções de daguerreótipos do século 19, o qual dedica páginas especiais a fotos de pessoas mortas. (Para quem tiver coragem, o endereço é: (http://www.rev.net/~hmcmanus/post/pm.htm).
É aquilo que Drummond chamava “um álbum de fotografias intoleráveis”. Não as descreverei; não porque sejam repulsivas ou aterrorizantes, mas porque são para ser vistas. São profundamente humanas, e revelam sentimentos que conseguimos reconstituir, por cima desse abismo todo de tempo e de espaço. A fotografia, então em vias de descobrimento, compensava o atraso da Medicina. As pessoas morriam muitas vezes de uma gripe, de uma febre, de uma comida estragada. Crianças, principalmente, tinham uma mortalidade muito alta. A invenção da fotografia parecia atenuar de algum modo a dor da perda.
Por outro lado, sabemos que entre alguns povos primitivos as pessoas não gostam de ser fotografadas, pois acham que a fotografia lhes captura a alma. Esse mesmo pensamento mágico parece estar por trás do costume de fotografar os recém-finados. Não é apenas para “lembrar de como eles eram”, é um pouco para manter sua alma aprisionada ali naquela imagem, evitar que vá embora para sempre. A foto era uma pequena maravilha tecnológica. O álbum era um limbo onde os vivos iam procurar “o imortal soluço de vida que rebentava, que rebentava daquelas páginas.”
Este detalhe me impressionou, porque existe aqui no Nordeste uma tradição parecida. Lembro de ter visto, quando era pequeno, várias dessas fotos de defuntos. Vi outras depois, em livros ou em documentários de cinema que reconstituem esses costumes. Algumas fotos mostram o defunto já no caixão, colocado de pé, apoiado à fachada da casa. Desde menino estas fotos me produziam um imenso medo, pelo modo palpável como a morte se tornava presente. Nunca tive muito medo de bobagens como vampiros, frankensteins ou lobisomens; mas ainda hoje a visão de um defunto amortalhado dos pés à cabeça me provoca um certo incômodo emocional.
Este incômodo, no entanto, não é forte o suficiente para me fazer afastar os olhos quando essas coisas surgem na minha frente. (É como aquela frase de Zeca Pagodinho: “O cigarro e a bebida são os maiores inimigos do homem, mas o homem que foge de seus inimigos é um covarde!”) Foi, portanto, com um misto de horror e fascinação que, após clicar um link pouco elucidativo, fui parar no saite “The History Broker”, com reproduções de daguerreótipos do século 19, o qual dedica páginas especiais a fotos de pessoas mortas. (Para quem tiver coragem, o endereço é: (http://www.rev.net/~hmcmanus/post/pm.htm).
É aquilo que Drummond chamava “um álbum de fotografias intoleráveis”. Não as descreverei; não porque sejam repulsivas ou aterrorizantes, mas porque são para ser vistas. São profundamente humanas, e revelam sentimentos que conseguimos reconstituir, por cima desse abismo todo de tempo e de espaço. A fotografia, então em vias de descobrimento, compensava o atraso da Medicina. As pessoas morriam muitas vezes de uma gripe, de uma febre, de uma comida estragada. Crianças, principalmente, tinham uma mortalidade muito alta. A invenção da fotografia parecia atenuar de algum modo a dor da perda.
Por outro lado, sabemos que entre alguns povos primitivos as pessoas não gostam de ser fotografadas, pois acham que a fotografia lhes captura a alma. Esse mesmo pensamento mágico parece estar por trás do costume de fotografar os recém-finados. Não é apenas para “lembrar de como eles eram”, é um pouco para manter sua alma aprisionada ali naquela imagem, evitar que vá embora para sempre. A foto era uma pequena maravilha tecnológica. O álbum era um limbo onde os vivos iam procurar “o imortal soluço de vida que rebentava, que rebentava daquelas páginas.”
A foto era uma pequena maravilha tecnológica. O álbum era um limbo onde os vivos iam procurar “o imortal soluço de vida que rebentava, que rebentava daquelas páginas.”
ResponderExcluirIdéia fascinante: um limbo de cartas marcadas, em que cada alma vive em seu inferno particular e eterno presentificado e bidimensional.
Esse texto me lembrou outra coisa: os nordestinos, principalmente paraibanos e potiguares do interior como eu (apesar de já ter visto isso em João Pessoa) tem a sórdida mania de realizar uma festa, com docinho, bolo e até palhaços e mágicos para as crianças quando alguém morre. Sempre pensei nisso e, sabe de uma coisa, somos loucos, todos loucos, quando o assunto é o momento derradeiro.