quinta-feira, 17 de julho de 2008

0450) Cuidado com os robôs (28.8.2004)



No mesmo dia em que assisti Eu, Robô de Alex Proyas liguei a TV à noite e um canal a cabo estava exibindo Minority Report de Spielberg. Por alguns instantes tive a sensação de estar revendo o filme anterior. A mesma metrópole futurista, prédios com aquela mesma textura mista de alumínio, vidro fumê e filtros óticos. Os mesmos carros reluzentes executando deslocamentos imprevistos. Os mesmos interiores assépticos, cheios de vidros e acrílicos. O mesmo protagonista problemático: um policial divorciado, com uma tragédia no passado, às turras com a corporação a que pertence, e forçado a agir contra a lei para desmascarar uma conspiração.

Seria injustiça dizer que o filme copia de uma só fonte. A primeira saída de Spooner (Will Smith) à rua não é menos do que um pastiche diurno das caminhadas de Rick Deckard em Blade Runner; até a cena da perseguição ao robô que parece ter roubado uma bolsa lembra Deckard perseguindo a andróide Zora (Joanna Cassidy). Os dois caminhões fechando o carro de Spooner no “minhocão” futurista parece uma tentativa de “pagar” a cena da perseguição dos carros em Matrix 2. O robô Sonny fala com o mesmo tom expectante e aveludado da voz do computador Hal 9000 de 2001, uma Odisséia no Espaço. A multiplicação final do exército de monstros idênticos lembra a horda de nosferatus calvos em Dark City, com a atenuante de que este filme foi dirigido pelo próprio Proyas.

Os filmes ficam cada vez mais parecidos porque sempre que um “produto” (é assim que os estúdios os chamam) obtém uma “boa resposta de mercado” os concorrentes, os colegas e os imitadores profissionais passam um pente fino nele, tentando descobrir o que o fez dar certo, e de que maneira é possível reproduzir esse mecanismo. Tais filmes são concebidos exatamente como se concebe um robô: analisando um aspecto do corpo humano (visão, audição, movimento, etc.) e tentando construir uma engenhoca que o reproduza.

Gostei de algumas coisas no filme de Prohyas. Não há uma só novidade, nem mesmo nos efeitos, que pelo menos para mim são um mero refinamento do que já vem sendo realizado. Em termos de roteiro, é banal, consegue ser mais banal até do que as histórias originais de Asimov, cujos “plots” sempre padeceram de um certo ar mecânico, com tudo planejado e raríssimas surpresas. Gostei, por exemplo, do comportamento insetóide dos robôs, que individualmente parecem delicados e até femininos como um computador Macintosh, mas em grupo assumem um ar de malignidade coletiva – e que lembra, em alguns momentos, a famosa cena do combate dos esqueletos de Ray Harryhausen no clássico Jasão e os Argonautas (1963). É mais perturbador ainda porque reconhecemos, nos seus movimentos, a mesma cadência de movimentos que vemos na maioria das computações gráficas. É como se eles fossem reais. Como se estivessem invadindo vários filmes ao mesmo tempo. Como se tivessem vindo para ficar.

Um comentário:

  1. Depois sou eu que fico deprimido quando leio Adorno.

    Ele disse uma vez que "A diferença do valor orçado na indústria cultural não tem nada a ver com a diferença objetiva de valor, com o significado dos produtos" (Indústria Cultural, pág 13).

    Hoje em dia o cinema é realmente uma mercadoria. Vejo o Cyberpunk, antigamente tão vermelhinho e de esquerda, endireitando-se e ficando cor-de-rosa. Vejo a literatura tão Quasímodo-Gollum, tão Sauron-Watson, reduzindo-se ao pó da Intelectualidade Shenóbica-Laracna.

    Mas, fazer o quê? Se vivemos em época de literatura de massa, de cinema de massa, de música de massa, podemos mudar isso? Eu tenho blogs, mas eles têm a mesma qualidade de um livro?

    Pois é, fico deprimido quando leio Adorno.

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