(campo de pelada em Portugal)
O futebol de salão foi inventado no Brasil, mas ninguém ainda nos deu o crédito, ao que eu saiba, por uma das mais curiosas mutações do jogo de futebol. Refiro-me ao “barra-a-barra”, uma interessante variante popular do jogo oficial. Joguei barra-a-barra a vida inteira, e até os 18 anos ainda travava disputas ferozes com meu irmão Pedro, numa sucessão infindável de partidas que terminavam sempre com “a do banho”, a saideira cujo vencedor tinha o direito de tomar banho primeiro, enquanto o outro ficava, suado, esperando o chuveiro desocupar.
O barra-a-barra é uma demonstração de como funciona a cultura popular. O futebol é um jogo regulamentado, com regras especificando tamanho do campo, linhas demarcatórias de espaços, número de jogadores, etc. A essência do futebol, contudo, não são essas regras. A essência do futebol é: colocar uma bola, sem usar as mãos, num espaço defendido pelo adversário, e impedir que ele faça o mesmo conosco. Em cima desta premissa, constrói-se tanto o universo das regras quanto o universo das manobras físicas (chutes, cabeçadas, dribles e tudo o mais).
As regras do barra-a-barra são simples. Num espaço aberto, a barra pode ser marcada por duas pedras ou dois montes de roupas, como numa pelada qualquer. Num espaço fechado (um quarto, por exemplo), podem ser duas paredes opostas. Existe o barra-a-barra de pé, e o barra-a-barra de cabeça. No primeiro, é simples: cada um tem direito a um chute, como se fosse uma disputa de pênaltis recíprocos. O barra-a-barra de cabeça é mais interessante: joga-se a bola para o alto e desfere-se uma cabeçada na direção do gol adversário. As duas modalidades têm acréscimos interessantes: o mata e o queima. O mata significa que quando o adversário chuta ou cabeceia e a gente consegue matar a bola no peito, daí em diante vira um jogo de verdade, ambos disputando a bola como num jogo normal, e ambos com a possibilidade de fazer o gol na barra do oponente. O queima significa que quando a gente chuta ou cabeceia e o adversário não consegue segurar (ele “queima”, ou “arrota”, a bola), a gente pode fazer o gol, mas ele não – ele continua a ser apenas goleiro, tem que voltar a segurar a bola.
As sutilezas deste jogo encheriam livros. Quero apenas lembrar que a Cultura de Rua é mestra nesse tipo de coisa. Não é por falta de 22 jogadores que alguém deixa de jogar futebol; não é por falta de grama; não é por falta de linhas ou de traves. As pessoas encontram um jeito de “distorcer”, “deturpar” uma atividade em seu benefício. Pessoas de índole purista detestam essas “deformações”, mas elas são inevitáveis e são necessárias. Legisladores futebolísticos britânicos do século 19 talvez ficassem horrorizados diante de uma variante plebéia como o barra-a-barra. Talvez dessem um jeito de proibi-lo na Constituição, transformá-lo em crime ou contravenção. Não adianta. A Rua assimila, aprende, desconstrói, reformata, recompõe, ensina e bota pra rodar.
Hahahaha, nunca tinha visto por escrito as regras do barra-a-barra. =)
ResponderExcluirEu confesso que nunca gostei de jogar futebol. Joguei algumas vezes, para poder estar com um amigo que adorava. E se eu não jogasse, ele acabava indo jogar com outras pessoas, e eu ficava sozinho. Até os 17 anos, fui pessoa de um único amigo por vez. Então arrisquei algumas partidas, meio no estilo barra-a-barra. Mas a verdade é que foram poucas.
Curiosidade que surgiu agora: em que bairro você morava na infância campinense? Eu sou paulistano de nascença, mas filho de dois campinenses, e residente na cidade do Encontro da Nova Consciência dos 7 aos 24 anos. Minha infância foi em Bodocongó, mais especificamente no Conjunto Severino Cabral, não sei se chegou a conhecer. Há quase um ano me mudei para Brasília.
Ah, lembrei-me agora: há algumas semanas li uma matéria sobre ficção científica em que lhe citavam e até entrevistavam, na Revista da Livraria Cultura. =)
Elvis: Morei em muitas casas em Campina. As principais foram na Miguel Couto (perto do Açude Velho), Padre Ibiapina (transversal da João Suassuna), Castro Pinto (por trás do campo do Treze, na Vila dos Motoristas) e finalmente no Alto Branco, onde ainda hoje está a casa dos meus pais.
ResponderExcluirMinha mãe saiu de Campina em 1973, para voltar apenas em 1990, mas ela fica curiosa por não lhe conhecer de antes de ir pra São Paulo, ou pelo menos alguma família Tavares. Naquela época a população era bem menor e ela conhecia muita gente.
ResponderExcluirTalvez você tenha ouvido falar do meu tio, que foi ator de rádio em Campina nos anos 60, e inclusive esteve na peça de teatro que inaugurou o Teatro Municipal. Mas no final dos anos 60 ele foi para a França, depois para a Espanha, onde reside até hoje.
Outra pessoa que talvez você conheça (ao menos ele já te conheceu alguma vez, hehehe) é o meu primo Hugo Vidal, que também foi ator em Campina e fez várias peças no teatro, mas nos anos 90. Hoje reside em CampinaS, hehehe.