sábado, 14 de junho de 2008

0412) Parece que é rock (15.7.2004)


A televisão está a anunciar, todos os dias, programas especiais em comemoração aos 50 anos do rock. A data escolhida como nascimento é a da gravação de “That´s all right, Mama” por Elvis Presley, em 1954. Fico pensando se aqui no Brasil terá ocorrido uma comemoração semelhante em 1967 nos 50 anos do samba (“Pelo Telefone” é de 1917) ou em 1996 nos 50 anos do baião (a gravação de “Baião” pelos Quatro Ases e Um Coringa é de 1946, embora o “nascimento” possa ser transferido para 1947, com Luiz Gonzaga gravando “Asa Branca”).

Não pensem que vou discutir aqui se o rock é ou não é um canal para a invasão do imperialismo norte-americano. Se vocês acreditam nisso, ensopem este jornal com gasolina e toquem fogo, porque eu sou um dos contaminados. O rock já me conquistou. Sou portador do vírus roqueiro, e pior ainda, sou portador sintomático, porque já toquei em banda de rock (só que naquele tempo se chamava “conjunto de iê-iê-iê”), já compus uma porção de rocks, e uma guitarra bem tocada me produz o mesmo arrepio de prazer físico e de excitação mental que me vêm de um ponteado de viola nordestina ou da cadência suingada de uma boa roda-de-samba carioca. O rock me serve de inspiração, me serve como um poderoso catalisador de adrenalina. No momento em que escrevo estas linhas, por exemplo, estou ouvindo Madness of the West, um CD dos Allman Brothers que só parece com... com... o Santos de Pelé jogando. Não me ocorre outra comparação.

O jazz é a sutileza e a complexidade da música erudita brotando das mãos de músicos negros, que fizeram a síntese entre o piano europeu, a síncope rítmica e a aventura do improviso. O pop é o prolongamento norte-americano da canção popular européia, desde a opereta até a cançoneta de music-hall. O rock é a eletrificação das formas de música rural brotadas nos próprios EUA: primeiro, o blues dos negros do Mississipi; depois, as canções “country” dos vaqueiros do Oeste, a música “bluegrass” de raiz (com seus vertiginosos solos de banjo e de rabeca), a tradição de música “gospel” das igrejas batistas da população negra urbana.

O imperialismo econômico e cultural existe, sim. São as gravadoras, a imprensa especializada, as rádios e as televisões, que desembarcam em nossa escancarada América Latina para vender seus produtos. O imperialismo vende tudo, transforma tudo em produto. Vocês viram a parafernália de souvenirs que cercou o filme de Mel Gibson sobre a paixão de Cristo? Era pedaço de cruz, prego da cruz... Não, amigos, não condenem uma coisa só porque os vendilhões do Templo estão faturando. Olhem em torno: eles devem estar faturando com vocês também. O rock é o yin-yang da civilização americana, que, boa ou má, é a mais poderosa do nosso tempo, a nossa Roma Imperial. O rock é a pororoca do rural com o urbano, do negro com o branco, do primitivo com o tecnológico. Talvez não seja a melhor música que se faz em nosso século; mas é a mais parecida com ele.


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