Quando eu tinha dez anos, lia muitas revistas de terror em quadrinhos. Houve uma história que me impressionou muito: um explorador voltava da África meio adoentado, por ter sido picado por uma aranha venenosa. Tempos depois, suas unhas das mãos começaram a inchar e a doer muito. Manchas negras apareceram embaixo delas; as unhas incharam até despregar-se parcialmente dos dedos, e dali de baixo emergiram aranhas negras, vivas, iguais à que tinha picado o explorador. Esse ciclo monstruoso de reprodução durou até que ele suicidou-se. Tempos depois, levei uma pancada num dedo que criou o famoso calo-de-sangue. Não descreverei aqui as noites de horror que passei em claro, olhando para aquilo, esperando a primeira aranha brotar.
Cresci. Leituras imoderadas dos folhetins franceses de Ponson du Terrail e Michel Zevaco me conscientizaram dos perigos de ser enterrado vivo devido a um ataque cataléptico. Como o personagem de “O enterramento prematuro”, de Edgar Allan Poe, passei anos tentando planejar táticas para entrar em contato com a superfície, caso um belo dia despertasse no interior escuro e abafado de um ataúde. Num dos dicionários do meu pai descobri nome desse meu medo: tafofobia. Não melhorei nada após ler um conto (“Crime no túmulo”, de Edmond Hamilton) em que um cara trabalha num parque de diversões como enterrado vivo (num ataúde metros abaixo do solo, com janela de vidro e respiradouro) e um inimigo acha um jeito de fazer uma cascavel descer lá pra baixo.
Aos 15 anos, lendo um daqueles livrinhos policiais da coleção “FBI” (eu sonhava em ser agente do FBI quando crescesse), fiquei sabendo de um golpe mortal, que é quando se atinge a vítima no “apêndice xifóide”, aquela pequena protuberância óssea na parte inferior do esterno, onde as costelas de juntam no meio do tórax. Dizia-se no livro que bastava quebrar aquela ossinho para o sujeito morrer instantaneamente, pois a ponta penetrava no coração. Perdi a conta dos gols que deixei de marcar nas minhas peladas subseqüentes: eu tinha dificuldade em matar a bola no peito, com medo que ela quebrasse meu apêndice xifóide.
Hoje, com mais de cinquenta anos, enfrento a velhice com destemor. Faço meu checape anual. Tenho pequenos problemas: o colesterol-bom está baixo (falta de exercício). Tenho uma calcificação na coluna, que às vezes incomoda pra caramba. Devido a fatores genéticos e alimentares, estou no grupo dos que correm o risco de morrer de câncer ou de enfarte. Se tenho medo de morrer? Morro de medo. Mas creiam-me, já superei problemas maiores. Qualquer indivíduo que já leu quantidades industriais de textos de Lovecraft, Kafka, Benoit Becker, Stephen King ou Bram Stoker fica – como direi? – meio realista para com os males da vida real. Existem, e são temíveis. Mas nada é mais temível do que o mal que só existe na nossa imaginação.
Se suicidou oum suicidou-se? Para dirimir quaisquer dúvidas não ficaria melhor se suicidou-se? rsrs.
ResponderExcluirSensacional, Bráulio! Não sei a sua intenção em escrever essas linhas, mas para mim foi uma bela descrição de como nossa mente é, no mais elevado nível, nosso sentido de existência. Temer ou não temer certas coisas depende exatamente do que você tem na cabeça.
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