terça-feira, 13 de maio de 2008

0389) Um som estrangeiro (18.6.2004)



O CD novo de Caetano Veloso, A foreign sound, inaugurou uma nova polêmica na imprensa brasileira. Não vou discutir as qualidades do CD, porque não o escutei ainda. Aliás, ninguém discute se as canções são boas, se os arranjos são originais, se o cantor está cantando bem; discute-se o fato, que para muita gente é humilhante, de um cantor brasileiro gravar um disco só de canções norte-americanas. Neste aspecto, os críticos estão interpretando corretamente as intenções do artista, porque mais do que exibir seus dotes como cantor Caetano está querendo fazer uma afirmação ideológica, está declarando publicamente seu afeto, sua dívida e sua solidariedade à canção norte-americana.

Nada excepcional, para quem há poucos anos gravou Fina estampa, onde declarava seu afeto, etc. e tal, pela canção hispano-americana. E para quem, ao longo da carreira, não tem feito outra coisa senão homenagear, e apresentar aos brasileiros desinformados, a canção brasileira. Um dos talentos de Caetano como cantor é ser um grande ouvinte de rádio – uma categoria em extinção, substituída por “espectadores da MTV”. É difícil explicar, para os nascidos depois de 1970, a imensa democracia musical que imperava no rádio brasileiro até então. Ouvia-se música mexicana, francesa, italiana, espanhola. Boleros, canções de amor americanas, fandangos, guarânias, baladas. Aí veio o rock e passou-o-rodo nisso tudo – o que de certa forma explica a imensa rejeição que algumas pessoas sentem pela música dos EUA. Havia um pomar com mil árvores frutíferas. De repente, surgiu ali um canavial, uma monocultura devoradora. O que Caetano faz, para mim, é tentar recuperar o que há de bom na memória que temos da música americana, que sempre tocou em nossos rádios. Para mim, é um manifesto político e estético: existe Arte de boa qualidade em qualquer lugar, até mesmo no país que nos invadiu.

Há 30 anos, o país-invadido mais famoso do mundo não era o Iraque, era o Vietnã. O líder guerrilheiro do Vietnã, Ho Chi Minh, costumava afirmar que estava em guerra com as tropas norte-americanas, não com o povo norte-americano. “O povo dos Estados Unidos e o povo do Vietnã são irmãos, e são muito parecidos,” dizia ele; “querem existir em paz, trabalhar, criar suas famílias, viver a vida.” E dizia que seu guia ideológico era a Constituição dos EUA. Acho que mesmo hoje, num momento em que os EUA deixaram de vez de ser os defensores da democracia para ser a principal potência terrorista do mundo, é possível ver o quanto esse país é contraditório, heterogêneo. É possível rejeitar a invasão da indústria cultural norte-americana, do lixo cultural norte-americano, sem rejeitar a imensa contribuição positiva que a cultura norte-americana tem a dar. Os aliados da música brasileira são os músicos americanos, não as megacorporações. O problema não é importarmos canções, é importarmos relações de produção econômicas. Puxa vida, que pólvora que eu acabo de descobrir!

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