terça-feira, 8 de abril de 2008

0357) Conan Doyle e o elo mais fraco (12.5.2004)



Nas páginas iniciais de O Vale do Terror, Sherlock Holmes e o Dr. Watson examinam uma mensagem cifrada, enviada por um membro da quadrilha do Prof. Moriarty – um tal de “Porlock” que de vez em quando informa a polícia sobre crimes em preparo. Holmes observa que Porlock é apenas um elo na corrente criminosa montada por Moriarty, e Watson pronuncia a frase famosa (que até eu mesmo já atribuí ao detetive): “Nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco”. Como muitas grandes frases da História, esta consegue resumir uma idéia crucial numa imagem nítida e forte. Basta imaginarmos uma corrente de ferro onde um dos elos é de pano, ou de papel. No momento em que a corrente fôr esticada com maior tensão, ou com um puxão mais brusco, de nada adiantam os 99 elos de ferro: é o elo mais fraco que parte a corrente.

Um bom exemplo deste caso é a política. Suponhamos que num certo país, conhecido pela corrupção imperante em seus círculos do Poder, sobe ao governo um Partido tido como “reserva ética e moral” da nação, e um presidente com fama de incorruptível. Presidente e Partido têm a firme intenção de mostrar a todos que se pode fazer política sem cair na tentação de meter a mão no cofre-da-viúva. O problema é que eles têm também a firme intenção de permanecer no Poder enquanto Deus fôr servido, de modo que começam a fazer alianças políticas pra todo lado, ou seja, a forjar elos. Fulano de Tal é um elo importante, pois arrasta consigo tantos-mil eleitores na Região Norte. Sicrano de Tal é outro elo indispensável, porque pode garantir 30 votos no Congresso. Beltrano de Tal é outro elo que não pode ser dispensado, porque atrai o eleitorado evangélico... e por aí vai.

Uma aliança política é um elo. Em política, ninguém é mais honesto do que as alianças que arranja. A toda hora vemos políticos incorruptíveis desabando do pedestal, não porque tenham feito-um-vale no erário público, mas porque se aliaram a um Silveirinha, um Lalau, um Waldomiro. As correntes são numerosas, os elos são incontáveis, é impossível checar todos eles. Política é uma atividade quantitativa. E fazer alianças políticas deve ser mais ou menos como contratar um músico novo para a banda. O empresário liga para duas ou três pessoas: “Esse cara toca bem? É trabalhoso? É careiro?” Faz-se um balanço rápido, e o resto é um salto no escuro. Em política, então, com dezenas de milhares de nomes envolvidos, é impossível ter um raio-X, uma folha-corrida de todo mundo. Às vezes sabe-se que o cara teve um episódio nebuloso no passado, mas... no mundo da política, quem não teve? Bora em frente que atrás vem gente. Quando menos se espera, o elo faz “pá”!... e salta pedaço de corrente pra todo lado. Parece um problema? Não, é a solução. Quando a imprensa, as oposições e a opinião pública começam a testar a solidez de todas as correntes, quem está no poder começa a tomar a precaução de eliminar seus elos mais fracos.

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