terça-feira, 8 de abril de 2008

0355) Os super-vilões (9.5.2004)



Desde o 11 de setembro a figura de Osama Bin Laden habita os pesadelos do mundo ocidental. Há muito tempo o mundo não desfrutava de um super-vilão tão nítido, tão adequado. Os ditadores das últimas décadas, além de caricatos, sempre tiveram ação circunscrita a sua área geográfica: Idi Amin, Ferdinand Marcos, Papa Doc, Bokassa, Pinochet, Kadhafi, Saddam Hussein, Pol Pot, Khomeini... Todos eles foram demonizados pelos governos e pela imprensa ocidental (com exceção do General Pinochet, que até pouco tempo atrás somente nós, latino-americanos, chamávamos publicamente de assassino), mas nenhum deles foi em momento algum encarado como uma ameaça ao mundo. Um atentado ou seqüestro de vez em quando, um crime de grandes proporções, mas nada que tirasse o sono de quem vivia em outro continente.

Osama Bin Laden e o 11/9 mudaram tudo. Ainda tenho minhas dúvidas se foi mesmo Bin Laden o orquestrador daquilo. É mais possível que tenha financiado, encorajado, ajudado com a logística. Mas quem sentou na mesa com os mapas, os horários de vôos, as plantas dos prédios... ah, não foi ele não. Foi gente que faz a barba todo dia e não mora em caverna. Osama serve para nós porque corresponde, com outro perfil étnico, à imagem dos super-vilões com que a cultura-de-massas nos acostumou desde o Dr. Fu Manchu, criado por Sax Rohmer em 1912. Fu Manchu exprimia o medo britânico e norte-americano das imigrações em massa de chineses na virada do século. Foi quando o Ocidente começou a ter uma noção da ameaça meramente quantitativa que era a China. Essa ameaça foi personificada em Fu Manchu, um cérebro privilegiado, formado em três universidades do Ocidente, mestre do disfarce, e que tinha em suas mãos as rédeas de todas as sociedades secretas do mundo.

Fu Manchu teve uma horda de imitadores nos pulp-magazines americanos (“Wu Fang, o Senhor da Morte”, “Dr. Yen Sin”); estes arqui-vilões orientais tinham uma contrapartida européia no Dr. Mabuse dos filmes de Fritz Lang. Como todo arqui-vilão, Mabuse se considera “um Estado dentro do Estado”. O arqui-vilão típico é um gangster elevado ao quadrado: em vez de controlar um bairro, ele quer dominar o mundo: “Agora o mundo saberá quem sou eu! Serei um gigante, um titã que varre as leis e os deuses como folhas secas!” A oratória desvairada de Mabuse inspirou muitos imitadores, mas logo foi substituída por estilos mais melífluos e suaves, como os vilões típicos de James Bond (Dr. No, Goldfinger, Blofeld). Osama Bin Laden tem alguns traços típicos dos arqui-vilões da “pulp fiction”: paradeiro desconhecido, imensa fortuna, uma rede de seguidores devotos e onipresentes, talento para se disfarçar e para se deslocar clandestinamente sem ser identificado, e uma capacidade quase hipnótica de comandar a mente dos seus seguidores. É um Fu Manchu em carne e osso, alguém que o inconsciente coletivo das multidões ocidentais enxerga com facilidade, e teme sem esforço da imaginação.

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