terça-feira, 1 de abril de 2008

0348) A arte do pênalte (1.5.2004)


A esta altura do campeonato já devo ter visto (ao vivo e na TV) uns mil pênaltes sendo cobrados, e acho que isto me autoriza a falar sobre o assunto, se não como especialista, pelo menos como testemunha ocular. Se o gol é o ponto mais alto do futebol, o pênalte é uma espécie de lance-de-dados onde valem a técnica e a esperteza, mas que jamais abolirá o Acaso. Numa coluna anterior (“O pênalte e o suicídio”, 21.9.2003) comentei alguns dos seus aspectos simbólico-psicanalíticos; hoje falarei da questão propriamente técnica.

Existem dois tipos de batedores de pênalte. Um deles é o da teoria da “pancada”, ou seja, a distância é tão curta e a barra é tão grande que basta acertar um chute forte dentro daquela moldura e o goleiro não vai ter a menor chance, a não ser que o cara chute exatamente em cima dele. Uma atitude tudo-ou-nada, porque tanto nos proporciona chutes indefensáveis quanto bolas que vão às nuvens; é o estilo argentino de cobrar. O segundo tipo de batedor é o que confia mais na finta do que no chute forte: Romário, por exemplo. Ele parte para a bola com um olho nela e o outro no goleiro; faz uma ginga, negaceia, faz de conta que vai jogar a bola de um lado, e, quando o goleiro se resolve e pula, toca com firmeza no outro. O “com firmeza” é um conselho da minha parte, porque tem jogadores, como Marcelinho Carioca, que depois de deslocar o goleiro se limitam a empurrar a bola devagarinho, acintosamente, para o canto oposto. Tomara que um dia dê tempo do goleiro voltar.

Quanto aos goleiros, estão divididos exatamente nos dois tipos acima. Tem os goleiros que “escolhem o canto”, preparam-se, e no momento em que o pé do jogador toca na bola eles se jogam para aquele lado. Se acertarem, tem boas chances de defender; se errarem, estão fritos, só lhes resta contar com a incompetência do cobrador. Estes goleiros partem do princípio que, quando se escolhe o canto certo, a vantagem do pênalte se inverte, está mais do lado do goleiro do que do lado de quem cobra. É, por exemplo, o estilo de Taffarel, grande pegador de pênaltes. O segundo tipo de goleiro é aquele que espera o chute. Em vez de arriscar e saltar “no escuro”, ele prefere esperar para ver de que lado a bola vai de fato, e tentar chegar nela a tempo: é a tática preferida por Dida, que, tanto na Seleção quanto nos clubes que defendeu, já pegou um número respeitável de pênaltes.

Jogador e goleiro que “escolhem o canto” estão, de certa forma, tentando ignorar o que o adversário vai fazer. Contam com a sorte. Mais interessante é a disputa entre um cobrador e um goleiro que estão com os olhos fitos um no outro – Romário chutando contra Dida. O que temos aí é um duelo de talentos, um duelo de personalidades, uma espécie de namoro entre espertalhões, onde cada qual não perde um movimento sequer do outro, e sabe que seus próprios movimentos estão sendo igualmente observados. Balé, xadrez, esgrima, onde ambos confiam que o gesto final será seu.

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