segunda-feira, 10 de março de 2008

174) A Livraria Pedrosa (11.10.2003)




(José Pedrosa e Nilo Tavares, em frente à Livraria Pedrosa)

A literatura fantástica e de ficção científica usa de modo recorrente o conceito de Portal (em inglês, “gateway”): uma fenda ou atalho no espaço-tempo, um limite que, uma vez cruzado, transporta o indivíduo a outro ponto do Universo, por mais remoto que seja. Uma espécie de cabine telefônica: o sujeito entra nela em Londres, aperta um botão, e ao sair está na Lua ou em outro sistema solar. 

Havia um desses portais na Campina Grande onde cresci. Algumas horas passadas lá dentro equivaliam a meses ou anos passados não apenas em outros pontos do espaço, mas em outros períodos do tempo, fosse o Brasil colonial, a Inglaterra vitoriana ou o antigo Egito.

Agachado junto às estantes e aos balcões da Livraria, sob o olhar sempre vigilante e sempre condescendente de Seu Pedrosa, desenvolvi desde menino a nobre arte de ler um livro por fora, quando não podemos comprá-lo: ler a contracapa, a orelha, o índice, o prefácio, as legendas das ilustrações. 

Não aconselho esse método aos intelectuais sérios, mas recomendo-o vivamente aos meninos de dez anos cuja curiosidade pelo mundo está na proporção inversa da mesada que recebem. Foi ali que desenvolvi o hábito de, indo a uma livraria, passar o pente fino. Parede por parede, estante por estante, lombada por lombada. Em meia hora leio o equivalente a um livro inteiro; e então pego um volume previamente escolhido e levo-o ao caixa, para dar ao livreiro um mínimo de compensação.

Não era a única boa livraria daquela Campina Grande. A Livraria Nova, em frente ao Alfredo Dantas, me proporcionou muitas descobertas e revelações; na Livraria Universal, na frente da galeria do Palomo, comprei meus primeiros livros de cinema; a lojinha das Edições de Ouro, ao lado do Capitólio, era uma pequena gruta de Aladim; e foi no sebo de Câmara, perto da Varig, que descobri o “Kaos” de Jorge Mautner e minha primeira antologia de Drummond. 

Mas a Pedrosa era a soma disto elevada ao quadrado. Quando fui a Lisboa receber um prêmio de ficção científica, tive que explicar aos amigos portugueses que não era carioca, apesar de morar no Rio, e que conhecera a ficção científica comprando, numa livraria do interior da Paraíba, os livros portugueses da “Colecção Argonauta”.

O tempo passa, tão devagar quanto os cabelos pretos. Quando cruzo aquela esquina já não vejo a Livraria, mas ainda escuto a voz de meu pai: “Me pega na Pedrosa às duas, pra gente descer de táxi.” Descobri que as livrarias passam, mas já tinha descoberto antes que os livros ficam; e não será por saber disto que alguns homens se animam a criar livrarias? 

O correr da vida faz com que se fechem alguns dos Portais que nos transportavam a outros mundos, mas é da natureza destes portais fazer com que a gente aprenda a passar sozinho para o outro lado. Ainda tenho livros onde continua pregado aquele selinho amarelo dizendo: “Faça do Livro o seu melhor Amigo”. O que teria sido de mim sem esta frase?








3 comentários:

  1. Li emocionado essa cronica Braúlio. tenho uma fascinação pelo personagem Zé Pedrosa.
    Uma das minhas predileções no campo histórico de minhas pesquisas é justamente sobre a história do livro e da leitura em Campina Grande. E neste aspecto ninguém contribui tanto quanto José Pedrosa, o dono da famosa Livraria Pedrosa. Além de livreiro, Pedrosa foi poeta, e agitador cultural, fez programas de rádio, participou das principais Academias literárias de Campina Grande. O meu interesse maior é justamente sobre a sua vida, sua actuação enquanto intelectual, somada a sua trajetoria de vendedor de livros, portanto empresario.Espero um dia realizar esse sonho.

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  2. Bruno: Seu Pedrosa foi uma grande figura, mesmo tendo um aspecto sisudo (eu tinha medo dele quando era pequeno). Foi um grande amigo de meu pai. Se eu fechar os olhos hoje, lembro a livraria inteira, balcão por balcão, capa por capa. Vocês que moram aí têm que registrar essa história da cidade.

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