Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 7 de março de 2008
070) A arte do palíndromo (12.6.2003)
(ilustração: blog O Dia A História)
Palíndromo é uma palavra ou frase que, lida de trás para diante, é a mesma coisa. O exemplo mais conhecido em português é “Roma me tem amor”. Meu preferido é “Socorram-me! Subi no ônibus em Marrocos!”, que sempre me traz à memória uma cena com James Stewart na parte inicial do filme “O homem que sabia demais”, de Hitchcock.
O saudoso Malba Tahan incluiu num dos seus livros de distrações matemáticas um longo palíndromo, ao que parece atribuído ao poeta Bocage: “Luza Rocelina, a namorada do Manuel, leu na Moda da Romana: ´anil é cor azul´”. São 15 palavras e 58 letras, nada mau.
O escritor Rômulo Teixeira Marinho reivindica para si o mais longo palíndromo em português publicado em livro: “O Gal. Leno Roca, à porta da cidade, a portador relata fatal erro da tropa e dá dica da tropa a Coronel Lago”, com 23 palavras e 83 letras. O mesmo escritor exibe em sua página no saite “Oficina das Letras” um poema-palíndromo ainda mais longo, com 173 palavras e 478 letras, intitulado “Coisas, Bichos e Gente”.
É coisa que vem dos gregos e romanos. O grande Osman Lins construiu seu romance Avalovara sobre um palíndromo em latim, “Sator Arepo Tenet Opera Rotas”, que tanto significa “O lavrador mantém cuidadosamente o arado nos sulcos” quanto “O Criador mantém cuidadosamente o Mundo em sua órbita”; é atribuído a um escravo da cidade de Pompéia, e diz-se que tinha poderes cabalísticos.
Pode até ser. No romance fantástico Expiration Date, do norte-americano Tim Powers, palíndromos são usados por médiuns como armadilhas para atrair e aprisionar fantasmas; lendo e relendo estas frases que não acabam nunca (porque é sempre possível recomeçar tudo de trás para diante) os espíritos dos mortos acabam se auto-hipnotizando e ficando presos ao local onde a frase está escrita.
A cultura palindrômica está em todos os idiomas. Talvez o mais famoso palíndromo em inglês seja: “A man, a plan, a canal: Panama!”. Construir agregados de palavras que possam ser lidos com o mesmo efeito de trás para diante é fácil; o maior problema de quem cria palíndromos é fazer com que isso tudo exprima algum sentido.
Um exemplo longo e bem razoável é “Doc, note, I dissent. A fast never prevents a fatness. I diet on cod.” (“Doutor, preste atenção, eu discordo. Jejum jamais evita a obesidade. Minha dieta se baseia em bacalhau”) Outro que me agrada (e também com mensagem terapêutica) é: “Cigar? Toss it in a can, it is so tragic” (“Charuto? Joga isso numa lata, é tão trágico”).
Um dos maiores palíndromos do mundo, com mais de cinco mil palavras, é em francês, e foi criado pelo escritor Georges Perec. “Le Grand Palindrome” está disponível na Internet no endereço: http://pages.infinit.net/mou/textes/palingp.htm.
A arte do palíndromo não é nem mais nem menos absurda ou fascinante do que a do xadrez, das palavras cruzadas, dos sonetos, ou qualquer outra que vise à única perfeição possível: a das coisas banais e finitas.
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