A imprensa paraibana andou batendo nos tapetes ultimamente, depois que Ariano Suassuna declarou que considerava Michael Jackson um débil mental. Ariano anda até se atualizando, porque a última vez que o ouvi proferir esse julgamento o débil mental era Elvis Presley. De uma hora para outra, mobilizou-se todo mundo para discutir uma falsa questão: quem é débil mental, Michael Jackson ou Ariano? É uma questão falsa, porque parte do princípio falso de que, entre dois artistas de posições estéticas inconciliáveis, um dos dois deve necessariamente estar certo e o outro deve ser um pateta.
Caso o leitor desta coluna nunca tenha percebido, sou um grande admirador da pessoa e da obra de Ariano Suassuna, mas Ariano tem lá as idéias dele e tenho eu cá as minhas. Ariano é um agitador cultural como há muito poucos no Brasil, e sabe explorar a vulnerabilidade da imprensa à frase de efeito, à declaração bombástica, ao paradoxo facilmente assimilável. Fiel a sua vocação quixotesca, Ariano investe de caneta em punho logo contra quem? – contra o mega-star do 100 milhões de discos, um moinho-de-vento que não está nem aí para o Brasil, quando mais para um dramaturgo nordestino que fala mal dos rebolados dele.
Não sou um grande fã de Michael Jackson. Era um excelente cantor e dançarino, acabou virando uma caricatura, um cabide de cacoetes. Jackson é menos importante como artista do que como sintoma, como demonstração cruel do que o show-business faz com quem mergulha nele de boca aberta e olhos fechados. Por outro lado, não creio que Ariano critique Jackson depois de ter escutado os discos, visto os clips, pesquisado a obra. Ariano não simpatiza com o show-business americano, como eu também não simpatizo. A diferença é que eu frequento e estudo o rock americano desde pequeno; sou da tribo e conheço os caboclos. Ariano tem outras prioridades. Respeito a opinião dele sobre rock como respeito a de Otto Maria Carpeaux sobre ficção científica (ele a chamava pejorativamente de “literatura de cordel”) e a de Edmund Wilson sobre literatura policial (“um desperdício de papel”). Mas quando eu quero saber o que é joio e o que é trigo no mundo do rock, não pergunto a Ariano: pergunto a Alex Madureira.
O Brasil que Ariano Suassuna visualiza e defende em sua vida-obra nasce do nosso Sertão ibérico, mouro, negro, dos folhetos de cordel, dos cantadores de viola, do circo, dos artistas populares, do messianismo religioso, um Brasil curiosamente próximo de Cervantes, de Rabelais, de Shakespeare. É uma parte essencial do Brasil em que eu, paraibano, acredito; mas não é a totalidade desse Brasil. Ariano diz, citando Machado de Assis, que existem o Brasil real e o Brasil oficial (sendo este último “burlesco e caricato”). O Brasil real, para mim, é maior e mais variado do que o Brasil de Ariano, mas, se tirarem o Brasil de Ariano de dentro dele, ele deixa de existir: vai se desunerar em ilhas de mero cosmopolitismo, de mera contemporaneidade.
Fantástico o comentário, parabéns pelo blog, muito bem escrito.
ResponderExcluirSaudações.
Julieta.