(Ivan Santos, 2003 - foto de Gustavo Moura)
Era a casa número 9 de uma vila em Botafogo, no começo dos anos 1980, onde residiam Ivan Santos, Alex Madureira e Lenine. Estes eram os residentes titulares, a quem cabia pagar o aluguel e manter a casa funcionando; mas havia um contingente flutuante de moradores provisórios, músicos que iam lá para passar o dia e acabavam passando a noite, ou que iam lá para passar uma semana e acabavam passando vários meses, como aconteceu comigo. O melhor da Casa Nove, além do espírito de festa permanente que imperava ali, era a diversidade de pessoas que a frequentavam. Tinha músicos de jazz, zabumbeiros de forró, poetas e escritores, artistas plásticos, atrizes e atores, jornalistas da imprensa alternativa e cineastas profissionais. Tinha gente famosa e gente anônima. A Casa Nove era um território livre, uma espécie de UNESCO administrada por Ionesco, o dramaturgo do Absurdo.
Alguma coisa das músicas dessa época está preservada no disco Baque Solto de Lenine & Lula Queiroga, que foi relançado em CD, e no Zuada de Boca de Tadeu Mathias, que não teve ainda esta chance. Muito do espírito desta época foi retomado quando pessoas que tinham se conhecido na Casa Nove criaram num bar da Lapa uma programação lítero-etílico-musical chamada Falange Canibal. Maiores detalhes sobre esta fase-2 podem ser colhidos no CD homônimo lançado por Lenine em 2002.
O mesmo espírito está presente no CD Songs From Nowhere, que está sendo lançado hoje à noite no Teatro Santa Roza por Ivan Santos, um dos membros da “troika” de nomes russos que imperava naquela casa mais agitada do que a escadaria de Odessa. Conheci Ivan um pouco antes desse período, quando eu era cabeludo como o Led Zeppelin e ele era barbudo como Los Hermanos. Tínhamos muitas coisas em comum, a começar pelo hábito de escrever martelos agalopados e uma fascinação permanente por Bob Dylan. Tudo isto se filtra nessas canções-de-lugar-nenhum, que bem poderiam intitular-se o contrário: “Songs from Everywhere”.
Aqui no bucólico recanto carioca onde habito, onde mal se escuta o barulho do trânsito, me chegam notícias de uma Europa high-tech, futurista-retrô, ariana-mestiça, um arquipélago de ilhas étnicas no mar da globalização. É lá que mora hoje o “Cabo Ivan”, numa Alemanha fatiada em feudos mega-corporativos, tornada cosmopolita a golpes de acordos e tratados, encurralada entre a invasão pacífica dos netos mulatos do colonialismo e as metástases de um racismo de direita nunca totalmente extirpado. Nesse crisol de DNAs culturais miscigenados às cegas, cujo idioma parece ser um desesperanto pós-Babel, a música de Ivan fala uma mistura de portunhol com alemanglês, mas traz uma cruz-das-armas carimbada em cada rima, uma dicção multi-mameluca de quem diz falando por preguiça de cantar, o artesanato amador de bolar “gatos” eletrônicos para acender a luz de um disco feito sem sair de casa.
Era a casa número 9 de uma vila em Botafogo, no começo dos anos 1980, onde residiam Ivan Santos, Alex Madureira e Lenine. Estes eram os residentes titulares, a quem cabia pagar o aluguel e manter a casa funcionando; mas havia um contingente flutuante de moradores provisórios, músicos que iam lá para passar o dia e acabavam passando a noite, ou que iam lá para passar uma semana e acabavam passando vários meses, como aconteceu comigo. O melhor da Casa Nove, além do espírito de festa permanente que imperava ali, era a diversidade de pessoas que a frequentavam. Tinha músicos de jazz, zabumbeiros de forró, poetas e escritores, artistas plásticos, atrizes e atores, jornalistas da imprensa alternativa e cineastas profissionais. Tinha gente famosa e gente anônima. A Casa Nove era um território livre, uma espécie de UNESCO administrada por Ionesco, o dramaturgo do Absurdo.
Alguma coisa das músicas dessa época está preservada no disco Baque Solto de Lenine & Lula Queiroga, que foi relançado em CD, e no Zuada de Boca de Tadeu Mathias, que não teve ainda esta chance. Muito do espírito desta época foi retomado quando pessoas que tinham se conhecido na Casa Nove criaram num bar da Lapa uma programação lítero-etílico-musical chamada Falange Canibal. Maiores detalhes sobre esta fase-2 podem ser colhidos no CD homônimo lançado por Lenine em 2002.
O mesmo espírito está presente no CD Songs From Nowhere, que está sendo lançado hoje à noite no Teatro Santa Roza por Ivan Santos, um dos membros da “troika” de nomes russos que imperava naquela casa mais agitada do que a escadaria de Odessa. Conheci Ivan um pouco antes desse período, quando eu era cabeludo como o Led Zeppelin e ele era barbudo como Los Hermanos. Tínhamos muitas coisas em comum, a começar pelo hábito de escrever martelos agalopados e uma fascinação permanente por Bob Dylan. Tudo isto se filtra nessas canções-de-lugar-nenhum, que bem poderiam intitular-se o contrário: “Songs from Everywhere”.
Aqui no bucólico recanto carioca onde habito, onde mal se escuta o barulho do trânsito, me chegam notícias de uma Europa high-tech, futurista-retrô, ariana-mestiça, um arquipélago de ilhas étnicas no mar da globalização. É lá que mora hoje o “Cabo Ivan”, numa Alemanha fatiada em feudos mega-corporativos, tornada cosmopolita a golpes de acordos e tratados, encurralada entre a invasão pacífica dos netos mulatos do colonialismo e as metástases de um racismo de direita nunca totalmente extirpado. Nesse crisol de DNAs culturais miscigenados às cegas, cujo idioma parece ser um desesperanto pós-Babel, a música de Ivan fala uma mistura de portunhol com alemanglês, mas traz uma cruz-das-armas carimbada em cada rima, uma dicção multi-mameluca de quem diz falando por preguiça de cantar, o artesanato amador de bolar “gatos” eletrônicos para acender a luz de um disco feito sem sair de casa.
Conheci a casa 9. Estive lá umas duas ou três vezes. Entre os tambores de maracatu e o estandarte do 2 de paus
ResponderExcluir(instrumentos e objetos do Lenine).
Não foi à toa que fiz questão de desenhá-los na capa do "Baque Solto". Desta casa só poderia sair coisa muito boa. Bons tempos que continuam no agora de cada um.
Fala Romero... Aliás, você teria uma reprodução pequena (uns 80k, por aí) da capa do Baque Solto?...
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