sábado, 15 de março de 2008

0257) Frodo e Riobaldo (16.1.2004)





(Elijah Wood como Frodo)

Na coluna de ontem, comparei o perfil do Riobaldo de Grande Sertão: Veredas com o de Aragorn em O Senhor dos Anéis. Chamo isto de “recorrência arquetípica”. Todo autor, ao recriar um tipo clássico de personagem (no caso, o Guerreiro Heróico) dá-lhe (mesmo sem perceber) traços que pertencem a uma tradição literária. 

Aragorn e Riobaldo são grandes guerreiros, merecedores do posto mais alto do Poder, mas cheios de dúvidas e de hesitações. A literatura está cheia de riobaldos, mas nenhum como o de Rosa, e de aragorns, mas nenhum como o de Tolkien.

Há outro herói no Senhor dos Anéis, contudo, que tem muitos traços em comum com Riobaldo: é Frodo Baggins (na tradução brasileira, “Frodo Bolseiro”). 

Se Aragorn é o Herói Guerreiro a quem cabe derrotar os exércitos do Mal e unificar sob um poder central os clãs rivais, Frodo é, como Riobaldo, o sujeito pacífico sem vocação para herói mas que, é jogado pela circunstâncias no meio de uma batalha, e vira guerreiro a contragosto. 

É, assim como Riobaldo, um herói problemático, pouco à vontade com este papel (Riobaldo: “Sou de ser e executar, não me ajusto de produzir ordens”). E, como Riobaldo, é também um herói atormentado pela presença do Diabo.

Riobaldo, embora se torne grande guerreiro, foi criado para uma vida pacífica, e entrou na jagunçagem por acaso. Muito apegado aos livros, é contratado para ser professor e secretário de Zé Bebelo, o capitão das tropas que perseguiam os jagunços. Ao ver o primeiro combate de verdade, desgosta-se daquilo e abandona o patrão. 

Uma série de acasos o faz entrar em contato com o bando de jagunços de Joca Ramiro, entre os quais reconhece o “Reinaldo”, ou Diadorim, um menino que conhecera anos antes. E é por essa amizade, depois transformada em amor, que Riobaldo se junta ao grupo, e de intelectual vira guerreiro.

Riobaldo vai à encruzilhada das Veredas Mortas para fazer um pacto com o Diabo. O Diabo não aparece, mas o jagunço volta de lá transformado, mais seguro, mais ambicioso, e pela primeira vez disposto a tornar-se líder do bando. 

Nos “Anéis”, Frodo, tendo colocado o Anel, entra em contato direto com Sauron, o Senhor das Trevas, fica daí em diante sob a mira deste, e acaba oferecendo-se a contragosto para destruir o Anel e fazer desmoronar o império do Mal. 

Tanto Frodo quanto Riobaldo são heróis contaminados por esse contato com o Mal. Frodo diz, após o fim da aventura: “Estou ferido, Sam, ferido, e nunca vou me curar.” Riobaldo, na encruzilhada: “Nunca em minha vida eu não tinha sentido a solidão duma friagem assim. E se aquele gelado inteiriço não me largasse mais.” Cada frase poderia ter sido dita pelo outro.

Note-se também que ambos exorcizam o Mal virando “escritores”: Riobaldo constrói oralmente sua epopéia, ditando-a a um interlocutor invisível (implicitamente o próprio Guimarães Rosa); Frodo é o cronista que passa para o papel a Guerra dos Anéis, finalizando o manuscrito iniciado por Bilbo.






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