sábado, 15 de março de 2008

0251) A caridade eletrônica (9.1.2004)




Peço aos estimados leitores que não me mandem emails sobre crianças leucêmicas a quem Bill Gates prometeu 0,15 centavos de dólar por cada email beneficente enviado em seu nome, ou correntes sobre velhinhas entubadas necessitando de um tipo de sangue raro que só pode ser encontrado via Internet. Esta praga da caridade eletrônica tem sido uma das coisas mais irritantes da última década, e o mais cruel dessa palhaçada é que de cada 10 mensagens com fotos de crianças raptadas do jardim enquanto a babá era distraída por um membro da quadrilha que lhe pedia informações sobre um endereço enquanto os outros colocavam o bebê num carro preto com placas frias para levá-lo até uma clínica clandestina de extração e venda de órgãos... peraí, onde era mesmo que eu estava? Bom, de cada 10 mensagens destas uma pode ser verdadeira.

A pista que entrega, a digital do criminoso, a nadadeira do tubarão é a frase: “Envie esta mensagem para todos da sua caixa postal”. Este é o objetivo do trote: encalhar as vias eletrônicas, e não me pergunte para quê. Deve ser pela mesma razão por que alguns garotos escangalham orelhões, e outros passam trotes telefônicos perguntando “cadê o Mário”. Delete essas armadilhas, caro leitor. Não vale o raciocínio de que é melhor acreditar em tudo porque alguma coisa pode ser verdade. Pedidos verdadeiros sempre fluem por outros canais além do spam. Se alguém raptasse um filho meu, eu não me limitaria a botar a foto dele num email, mandar “para todos da minha caixa postal” e ficar no sofá assistindo Flamengo x Criciúma. Eu iria à luta por todos os meios imagináveis.

Esse negócio de caridade eletrônica é engraçado. Sem esforço, meu amigo, até eu sou bonzinho. Me lembro de uma frase que vi num almanaque quando era pequeno: “O que você faria, se tivesse certeza absoluta de que ninguém jamais ficaria sabendo?” Eu teria uns dez anos mas esta frase me ensinou muitas coisas úteis sobre meu caráter e sobre quem eu realmente sou. Pois a frase da moda hoje em dia é: “O que você faria, se isto não lhe exigisse o menor esforço, mas lhe desse uma sensação de boa-ação cumprida?” Creio que a resposta é: repassaria todos os emails pedindo ajuda para os gêmeos indonésios que têm um tipo raro de câncer e precisam de um milhão de mensagens enviadas ao Hospital Não-Sei-das-Quantas em Johannesburgo, que fará de graça a cirurgia dupla.

Não se iludam, amigos. Caridade sem esforço não existe, é contra as leis da Natureza, é pior do que o Moto Perpétuo. E vejam bem, eu não me acho um sujeito caridoso. Quando um garoto me chama de Tio e estende a mão, eu lhe dou algumas moedas que por acaso tenha no bolso, mas este gesto não tem caridade legítima: é um suborno “light” para que ele lembre de minha cara e não me assalte quando estiver com 1,80m de altura. Há um milhão de ações de caridade real esperando quem as encare. Delete o email e vá à luta. (Isso vale pra mim também.)


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