Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 11 de março de 2008
0238) A tragédia da vida (25.12.2003)
(ilustração: Arthur Tress)
Não existe nada mais educativo do que ouvir anedotas. Não me refiro às piadas de sacanagem que os homens contam em mesa de bar, embora estas também tenham seu lado propedêutico. Qualquer piada é uma pequena cápsula de filosofia existencial.
Como a história do garoto de 8 anos que a família precisava levar ao dentista. O dente inchado, doía muito, mas ele morria de medo. Marcaram a consulta, mas ele fincou pé, disse que não ia. Os pais adularam, adularam, até que o pai veio com o argumento irrespondível: “Olhe, Paulinho, você vai ter que ir. Nós já marcamos a consulta, e esse dentista é muito caro, a consulta dele é 100 reais.”
O menino enxugou as lágrimas e concordou. Foi, submeteu-se à tortura do tratamento. No fim, depois do “pode cuspir”, levantou da cadeira, enxugou os olhos, e perguntou timidamente ao dentista: “E meus 100 reais?...”
Não acho que exista parábola mais edificante para a gente contar aos filhos. Porque isto é a vida, não é mesmo? A gente passa a vida inteira se submetendo às maiores provações, aos piores sacrifícios, sempre de olho num prêmio prometido. Na hora do balanço final, a gente descobre que não só não vai ter prêmio, vai ter um prejuízo, e ainda vai pagar juros e correção monetária.
Outra história (esta verídica) fala de um garoto de seus quatro anos que a família matriculou na escola pela primeira vez. Desconfiado, o garoto dizia que não queria ir estudar em escola nenhuma. Os pais providenciaram tudo: uniforme, livros, lápis de cor... Tudo foi usado como isca. Explicaram que ia ser legal, que uma professora ia ensinar coisas interessantes; que na escola ele teria muitos amiguinhos novos; que havia uma coisa ótima chamada “hora do recreio”, onde todos brincariam do que quisessem; e patati, e patatá.
No primeiro dia de aula, acordaram-no às 6 da manhã. Uniforme, café, ida à escola. Quando ele voltou, estava feliz: tinha adorado tudo. Fêz mil comentários, e tal. No outro dia, a mãe voltou a chamá-lo às 6: “Joãozinho!... Tá na hora?” Ele acordou: “Hora de quê?” A mãe: “De ir para a escola.” E o guri, perplexo: “Oi... de novo?”
Eu sempre obriguei meus filhos a irem ao colégio. Não porque eu creia na necessidade de sabermos extrair raiz cúbica ou de recitar de memória os membros da Regência Trina Provisória. Os ensinamentos que tive no colégio dissiparam-se tão rapidamente que às vezes sinto um calafrio de horror ao folhear um livro de Oswaldo Sangiorgi ou de Borges Hermida, e saber que perdi ali tantas tardes ensolaradas que poderia ter dedicado ao futebol ou ao jogo de botão.
A função do colégio, no entanto, não é nos ensinar química ou botânica. É nos mostrar que todo sofrimento na vida é pago – mas pago por nós mesmos. E que não importa quantas vezes você tenha passado por ele: vai ter que passar outra vez, e outra, e outra. “Está na hora.” “De quê?” “Ora, está na hora de fazer sua coluna do jornal.” “Oi... de novo?...”
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