Eu tenho às vezes a impressão de que ando através do mundo como um cego anda através do Louvre. Ele ouve passos, vozes, exclamações de espanto e de deleite ressoando sob aquelas abóbadas, ou espalhando-se por aqueles imensos corredores e escadarias. Ao fundo de tudo, ressoa aquele murmúrio, contínuo, como um rio que corre, aquele rumor permanente de vozes, meio shopping, meio salão de ópera. O visitante cego sabe que está passando por um lugar inesquecível, e a tagarelice extasiada à sua volta chega até a inebriá-lo um pouco; mas não é a mesma coisa.
Pois é assim que eu sou no mundo da Informática. Convivo com pessoas que enxergam o que se passa nesse mundo, onde eu só me locomovo às apalpadelas. Em termos de consumo high-tech não valho muito mais que um macaco amestrado. Leio o manual, executo os programas, olho os tutoriais, preencho os campos da maneira que me pedem, e clico OK. Pronto!... Os problemas só acontecem quando eu clico neste condenado deste OK, e surge a frase: “A conexão com o servidor foi interrompida.” Fico órfão da Vida Real durante o resto da noite, corroído pelo desespero. Os sujeitos normais dizem algo como, “Ora, era só ter trocado o índice de configuração dos parâmetros!”, ou “Viu se os cabos estavam bem apertados?” ou “Veja se o DSL e o Enet estão alinhados.” Isto me deixa mais humilhado ainda. Não saber como se faz uma coisa boba é até suportável, mas não saber uma coisa que ninguém mais sabe abaixa muito a minha crista.
É assim que fico, quando não consigo conectar a maldita Internet Rápida, o milagre cibernético que tornou mais real a nossa vida. Quando dá certo é uma maravilha. As telazinhas brotam na ordem certa, no lugar certo, como bolhas-de-sabão retangulares onde basta clicar OK para que desapareçam em paz, cumprida a sua missão. E aí é correr pro abraço, é abrir as caixas de mensagens, os Explorers, o escambau. De repente, não estou mais cego, surdo, mudo, tetraplégico e amnésico. De repente os campos de força do Universo estão fluindo pelos cabos telefônicos até o meu monitor brilhante, de onde pulam (sem fio! sem cabo! sem trapézio!) direto para minhas retinas e meus neurônios, inundando-me com a Mente do Mundo.
Mas quando não conecta... Eu já publiquei um conto (“Breves histórias do tempo”) sobre um sujeito que tem uma meningite quando bebê e fica imobilizado do pescoço para baixo. Quando fica adulto, é um cara mais ou menos na condição do cientista Stephen Hawking ou do ator Christopher Reeve. Torna-se escritor, usando um computador que digita tudo que ele fala; uma rede distribui eletronicanente seus textos, como intermináveis telenovelas, em tempo real, via Net. Hoje, ficar sem Internet é como se alguém desligasse o computador desse sujeito, deixando-o sozinho, aquela cabeça sem corpo pensando no meio da treva, querendo o mundo de volta, a Vida Real de volta.
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