Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 11 de março de 2008
0216) Primo rico e primo pobre (29.11.2003)
(ilustração: Keith Arnatt)
Os poetas que publicam livros ficam profundamente irritados quando vêem um letrista de MPB tendo seus textos incluídos em livros didáticos e em antologias poéticas.
Quando se trata dos letristas-cantores, como Chico Buarque, Elomar, Caetano Veloso, Zé Ramalho, Gilberto Gil e outros, essa irritação aumenta em alguns graus centígrados. Reclamam: “Já não basta ganharem as fortunas que ganham, querem agora tirar de nós o pouco espaço que nos resta!...” O poeta acha que o letrista de MPB é um marajá, que nada em dinheiro explorando a ignorância das massas; e ele é o primo pobre.
Já os letristas acham-se uns injustiçados. Aparecem em letras microscópicas no encarte dos CDs, seus nomes não são ditos no rádio após a execução de suas músicas, e a humanidade inteira parece achar que um verso pertence ao cantor que o canta, e não ao escritor que a escreveu. Têm inveja dos poetas, os quais são considerados autores do que fazem, são eleitos para Academias, ganham prêmios literários, seus nomes aparecem em letras garrafais na capa dos livros. No mundo da Música Fonográfica Brasileira rola prêmio até para melhor capa de CD e melhor videoclip... mas quantos prêmios de “melhor letrista” são concedidos por aí? Primo pobre sou eu!
As queixas recíprocas são avivadas por um certo desdém recíproco. Já vi um literato dizer: “Eu posso ser um mau poeta, mas nunca escrevi nada que contivesse os sintagmas ô-lê-lê-ô nem laiá-raiá”. Poetas acadêmicos, em geral, recusam-se sequer a considerar a possibilidade de que uma letra de música possa ser chamada de poema (vide as diatribes de Bruno Tolentino contra Caetano Veloso).
E no outro lado os letristas, que às vezes ganham milhares de reais por uma dúzia de linhas escritas, e vêem seus versos sendo cantados por multidões, tratam com menosprezo os poetas com tiragenzinhas de 200 exemplares e que fazem noite de autógrafos com vinho branco em copo de plástico.
Cada um tem inveja e desdém do outro, mas são semelhantes. São como dois credos religiosos, ambos brotados a partir de um mesmo Livro, mas que preferem ver-se como inimigos mortais do que como gêmeos univitelinos.
Pra quê isso? Poesia é uma coisa só. Poesia é texto, é linguagem carregada de sentido através da concentração de significantes e multiplicação de camadas de significados
A verdadeira poesia pode ser escrita ou oral; pode aparecer em livros, em CDs, em histórias em quadrinhos, em peças de teatro.
Onde houver a possibilidade da Palavra, existe a possibilidade da Poesia.
A letra de música tem seus próprios limites e recursos, assim como o poema impresso numa página tem os seus; mas tudo isto é secundário em relação à Palavra. A disputa entre os dois grupos se baseia muitas vezes em falácias teóricas, mas no fundo é a velha disputa entre uma elite intelectual enobrecida por direito mas empobrecida de fato, e uma burguesia ascendente cujos critérios são “money and media”.
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