Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 10 de março de 2008
0168) O rock nos tempos do capitalismo (4.10.2003)
Quando o rock surgiu nos EUA, década de 1950, a “música jovem” norte-americana parecia a música desses programas da TV italiana de hoje: artistas brancos, bem vestidinhos, bem penteadinhos, interpretando cançonetas de amor com acompanhamento de orquestra.
Uma música de mauricinhos e patricinhas, uma música bem comportada, trazendo aos ouvintes a idéia de uma América mítica: limpa, decente, bem alimentada, com dinheiro no bolso e carro na garagem, cultivando valores religiosos e obedecendo à moral e aos bons costumes.
A verdadeira América não era nada disso, era um caldeirão de injustiças sociais, desde a miséria dos brancos desempregados até o apartheid racial nos Estados do Sul.
Essa mistura de pólvora com gasolina pegou fogo nos anos 1960. Por trás da fachada feliz, o país estava profundamente doente, e o rock serviu ao mesmo tempo de sintoma, diagnóstico e remédio.
Bebendo nas fontes da música negra e da música rural, o rock foi veículo para a desobediência civil da plebe rude, para o protesto esquerdista dos universitários, e para o bundalelê geral do sexo e das drogas, que alargou a rachadura entre a geração dos pais e a dos filhos.
Mas isso foi só no início. O apartheid oficial foi extinto, mas o preconceito racial continua. A luta política teve algumas vitórias (a deposição de Nixon, a retirada do Vietnam, os acordos nucleares) mas agora está por baixo, com o recrudescimento da direita militarista-evangélica na administração Bush.
Quanto ao sexo e às drogas, aconteceu o inevitável: foram apropriados pelo capitalismo, viraram mercadoria. Hoje, no balcão da indústria musical, mauricinhos e patricinhas se alternam com os que fazem pose de irreverentes, sexy, contestadores, rebeldes... Para cada Celine Dion careta existe agora uma Britney Spears ou Shakira, para atrair as garotas que têm vocação pra doidona.
John Lennon, já grisalho, desabafou certa vez: “O rock não mudou porra nenhuma. Tá todo mundo usando cabelo grande, mas quem manda no mundo ainda são os mesmos caras.” Tinha razão.
Depois dos anos 1960, o principal movimento de contestação social dentro da música americana foi o rap e o hip-hop dos anos 1990 para cá, e este também já está sendo devidamente assimilado e faturado pelo sistema capitalista.
O Capitalismo é uma espécie de Rei Midas que transforma em ouro tudo que toca. Melhor do que fuzilar os inimigos é suborná-los com a venda de milhões de discos, mansão, limusine, mulher de graça, droga à vontade, inflação do ego, bajulação da imprensa. Não tem contestador que aguente.
Toda vez que a crosta do Capitalismo é rachada por um movimento de contestação, a lava fumegante da crise social emerge pelas fendas; mas em pouco tempo essa lava esfria, se solidifica, se aquieta, e passa a fazer parte da mesma crosta capitalista que tinha ajudado a romper. Até que o bicho começa a pegar de novo, e tudo recomeça, e o rock rola.
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