Existem certos processos criativos que parecem absurdos a quem não é do ramo. Não que esse “ramo” da criação artística seja alguma coisa de extraordinário, como as atividades dos deuses no Monte Olimpo. Não vejo diferença entre a criatividade de um poeta que faz um verso genial, a criatividade de um jogador que faz um gol de placa, a criatividade de um administrador que recupera uma empresa caótica e falida, a criatividade de uma dona-de-casa que abre uma geladeira quase vazia e tira lá de dentro um almoço. Criatividade é uma função da mente, e achar que ela só existe no âmbito da literatura é invenção dos literatos. A gente pode ser doido, mas não é besta.
O livro A Experiência Matemática de Philip David e Reuben Hersh (Ed. Francisco Alves) traz numerosos exemplos da criatividade intuitiva de grandes matemáticos. Na Matemática (ao contrário, por exemplo, da Física ou da Química) as intuições criativas não dependem de confirmação através de trabalhosos experimentos de laboratório. A Matemática é linguagem pura, e certos indivíduos têm propensão para esse tipo de linguagem. Muitas vezes um matemático tem o vislumbre instantâneo de um princípio matemático qualquer, mas não é capaz de provar por quê sabe que está certo. Ao examinar o problema, a solução parece saltar-lhe aos olhos, mesmo sem que ele consiga explicá-la.
Há matemáticos que passam anos inteiros tentando demonstrar, através das provas e contraprovas regulamentares, um teorema ou coisa parecida que lhes ocorreu no espaço de alguns segundos ou minutos. É como se eles dissessem: “Cheguei lá, mas não sei o caminho.” Isso tem muito a ver com a diferença entre o hemisfério direito do nosso cérebro, capaz de associações de idéias instantâneas, e o caráter minucioso e pedestre do hemisfério esquerdo, sede da linguagem, onde tudo precisa ser explicado direitinho, passo a passo. Einstein, por exemplo, foi um que penou para conseguir demonstrar matematicamente as coisas que descobria.
David & Hersh dão indicações interessantes sobre esse processo. Para eles, muitos problemas assemelham-se a uma pergunta do tipo “Será que este objeto cabe naquela caixa?” Uma simples olhada, em geral, nos dá a resposta, sem que tenhamos que medir com fita métrica o objeto e a caixa, e depois fazer as contas. Muitos problemas matemáticos têm um grau parecido de visualidade, e repousam também num acervo de experiências acumuladas. Quando já resolvemos centenas de problemas que partilham uma característica comum, fica mais fácil ver instantaneamente a solução de outro problema onde essa característica está de certo modo embutida mas não evidente. Nós reconhecemos, antes mesmo de pensar nisso, a presença daquele padrão, e no instante seguinte a resposta se impõe. Depois vai ser preciso pegar a fita métrica e provar a todo mundo que estamos certos; mas nossa resposta de baseou naquilo que eles chamam de soluções do tipo analógico, e efetuadas instantaneamente.
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