Desde que o mundo é mundo existem dois tipos de magia. O primeiro é o que podemos chamar de Magia Sobrenatural: é aquele onde, através de rituais e invocações, o Mago consegue romper a crosta do nosso mundo material e entrar em contato com um mundo superior, que obedece a outras leis. Isso faz com que ele possa enxergar o futuro ou o passado, entrar em contato com as almas dos mortos ou com os espíritos da Natureza, realizar transmutações da matéria, e assim por diante. O segundo tipo é a Magia de Palco, ou ficção mágica, onde o Mágico finge que está fazendo todas as coisas acima, mas na verdade está realizando truques ilusionistas, com o auxílio de aparatos mecânicos ou ópticos, cúmplices disfarçados entre a platéia, agilidade na manipulação de objetos e assim por diante.
A prática da Magia Sobrenatural a sério é, nos dias de hoje, uma atividade restrita a grupos fechados e ambientes ocultos, e não tem nada a ver com a moda atual de “shoppings esotéricos” e outros conceitos absurdos. A verdadeira Magia, pelo que entendo, abomina a mídia, a publicidade, a propaganda gratuita junto às massas. É uma atividade para iniciados, administrada com rigor pelos que herdaram uma cultura milenar. Ser mago é como ser agente secreto. Alguém já viu agente secreto dando entrevista em talk-show?
Como não acredito em mundos sobrenaturais, me interesso muito mais pela magia de palco, onde a gente sabe que é impossível tirar um coelho de uma cartola vazia, mas vai assistir pelo prazer da ilusão. Talvez o mais interessante prolongamento da magia de palco, nos tempos de hoje, sejam os efeitos especiais do cinema. Não me refiro às atuais técnicas de computação gráfica, porque estas se parecem mais à pintura e ao desenho, onde com imaginação e técnica você cria qualquer coisa. Mas os efeitos tradicionais (fingir chuva, fingir sol, fingir trovoada, fingir que um vagão está em movimento, fingir que uma flecha entrou no corpo do ator, etc.) cresceram a partir dos efeitos especiais do teatro do século 18 e 19, os quais por sua vez cresceram paralelamente à imensa evolução que a Magia de Palco teve nesse mesmo período.
Quem vai ver um espetáculo de Magia de Palco paga para ser enganado. O espectador sabe que a mulher não foi serrada ao meio, sabe que os lenços coloridos estavam escondidos em algum lugar, sabe que o pombo e o coelho não brotaram do nada, e que a moça não está levitando. Ele paga ingresso para ver o impossível acontecer diante dos seus olhos. E no seu espírito de espectador convivem duas emoções contraditórias: a vontade de saber como aquilo foi feito (daí o sucesso de “Mister M” e de todos os desmancha-prazeres que explicam os truques), e a vontade de acreditar, de dizer “eu vi, eu vi com meus próprios olhos!” Estudar a magia de palco, o modo como se faz alguém ver algo que sabe que não existe, é um curso de Psicologia Aplicada, e um dos que mais nos ensinam sobre a inesgotável credulidade humana.
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