Numa entrevista dada em 1954 a Orígenes Lessa, o cordelista João Martins de Athayde afirmou ter inventado um Moto-Contínuo, a fabulosa máquina sonhada pelos cientistas desde a Antiguidade e o Renascimento. Lessa espantou-se. Como é que um simples poeta caboclo conseguira criar algo além das possibilidades de um Arquimedes, de um Leonardo da Vinci? O Moto-Contínuo (ou Moto-Perpétuo) é uma máquina que produz a própria energia, e portanto é capaz de trabalhar perpetuamente sem precisar de corda, de combustível, de força humana, etc. Ou seja: uma impossibilidade científica, visto que em todo trabalho mecânico existem perdas em forma de atrito, calor, desgaste, etc.
Macaco velho, e sabedor de que os poetas tendem a acreditar piamente nas coisas que imaginam, Lessa perguntou a Athayde pela máquina. “Trabalhei nela 24 anos,” disse o poeta, “mas encostei. Não estava para ser embrulhado. Quebrei e escangalhei tudo, para ninguém tomar. Mas não ponha isso no jornal, porque ninguém acredita mesmo. No dia em que o meu invento aparecesse, pegava fogo no mundo.” Ainda incrédulo, Lessa perguntou por que ele não mostrara uma tal invenção ao governo. E Athayde: “Não adiantava. Eu podia ter ido no Getúlio, apresentava tudo, explicava tudo. Aí ele chamava um compadre, mostrava, pedia a opinião. Ele dizia: ´Isso aí não vale nada. Eu faço melhor.´ E no dia seguinte apresentava um igual e ficava com a glória...”
Isso é um verdadeiro raio-X da alma de um poeta sertanejo. Ele sabe que se um dia descobrir a Pedra Filosofal ou o Elixir da Juventude, quem vai ficar com a glória é algum dos muitos intermediários que virão enxamear sobre o prodígio para explorá-lo comercialmente, assim como as infusões dos índios amazônicos já nos retornam em forma de remédios caríssimos das multinacionais farmacêuticas, com patente requerida e tudo o mais.
Athayde era menino da roça, nascido em 1877 (ou 1880) em Ingá do Bacamarte. Alfabetizou-se sozinho, recolhendo pedaços de jornal no chão, perguntando a um e a outro “que letra é essa”. Andava com uma cartilha escondida no chapéu, porque o pai queria que continuasse analfabeto e ajudando na roça. Foi para o Recife, trabalhou como enfermeiro, e começou a escrever os poemas que compunha de memória. A partir de 1920 publicou clássicos como “Proezas de João Grilo”, “História da Imperatriz Porcina”, “Sacco e Vanzetti aos olhos do mundo”, “História do valente Vilela”, “Juvenal e o Dragão”. No auge do sucesso morava num sobrado, tendo no andar de baixo a oficina cheia de máquinas impressoras, onde empregados viravam turnos imprimindo best-sellers como “A lamentável morte do Padre Cícero Romão Batista” ou “A morte de Lampião”. Escrevia a noite inteira, enquanto a esposa trazia café e colocava seus pés numa bacia dágua, para que se mantivesse acordado. Em 7 de agosto de 1959, devido a uma embolia cerebral, o Moto-Contínuo parou de funcionar.
Athayde tinha muito medo que alguém se apoderasse de seu projeto, a sua máquina do MOTO-CONTÍNUO, da mesma maneira como ele se apropriou dos clássicos de LEANDRO GOMES DE BARROS e outros poetas, suprimindo o nome do verdadeiro autor e até adulterando os acrósticos para eliminar qualquer vestígio.
ResponderExcluirEm tempo: AS PROEZAS DE JOÃO GRILO é do poeta JOÃO FERREIRA DE LIMA e JUVENAL E O DRAGÃO é do velho LEANDRO. Existe até uma edição feita pelo velho mestre de Pombal no acervo da CASA DE RUI BARBOSA.
Anônimo: Veja só o que é o mundo, alguns (como Athayde) botando o nome no que não escreveram, e outros com medo de assinar o que escrevem! :-)
ResponderExcluirEm todo caso, é bom lembrar que Athayde foi um grande poeta também, e que no cordel da época todos os editores costumavam tirar o nome dos autores e assinar o folheto com o próprio nome.