Há cada vez menos misantropos. Forças políticas e publicitárias vivem a berrar em nossos ouvidos que somos alegres, que a vida é bela e Deus é dez, e que a festa não tem hora para acabar. Mesmo assim, ainda existe no mundo uma meia-dúzia de almas empedernidas, imunes a essa filosofia-de-refrigerante, almas que vêem a espécie humana sem amizade, sem cumplicidade, sem ilusões. O misantropo é tão anacrônico quanto as raízes gregas de seu nome. É uma criatura antediluviana que a sociedade de consumo ainda não consumiu. Deverá se extinguir dentro de mais algumas gerações, porque é notória a sua dificuldade de acasalamento. O misantropo tem repulsa pelos que entram em contato com ele (vizinhos, colegas de trabalho, parentes distantes), e seu único consolo na vida é quando percebe que esse sentimento é recíproco.
Não devemos confundir o misantropo com o sujeito que é psicótico, ou com o mero chato. O misantropo julga ter, e geralmente tem, uma concepção elevada do ser humano, e seu retraimento decorre de perceber que o ser humano não corresponde aos padrões estabelecidos por ele. O misantropo às vezes é orgulhoso, mas mais frequentemente tem sobre si próprio uma opinião nada lisonjeira. É um sujeito que já viu muito, já viveu muito, e passou por situações onde não se comportou de acordo com os seus próprios padrões de exigência. Ele reprovou a si próprio, descobriu que não presta. Como esperar que saia por aí sendo bonzinho com quem cruza à sua frente?
Tem um jeitão casmurro, encaramujado, mas costuma ser terno com algumas criaturas: crianças que ainda não falam, bichos com fome, passarinhos com a asa quebrada, pessoas humildes, pessoas que sabem evitar a alacridade, a condescendência debochada, a provocação. É capaz de gestos de desprendimento e até de generosidade, desde que possam ser feitos pelo Correio. O contato humano o incomoda. Para ele, estar na mesma sala com outra pessoa é como estar na mesma sala com uma galinha viva.
Não é egoísta. Se lhe dessem a escolher entre a extinção da humanidade e sua própria morte, ele se consolaria com esta. Não quer mal a ninguém, quer apenas que o deixem sossegado. Não quer ser forçado a fingir de novo, a mentir de novo, a brigar de novo. Para ele, a experiência do contato humano se parece àqueles filmes B de ficção científica onde o protagonista está conversando com alguém e de repente o interlocutor começa a inchar, a pele a se romper, e de dentro dele emerge um repulsivo alienígena, com boca de moréia e tentáculos de medusa. O misantropo já viu esse filme todos os dias nos últimos quarenta anos. Por que insistem em mostrá-lo mais uma vez? Ele prefere afirmar seu afeto pela humanidade dedicando-se aos silenciosos livros, provas vivas de que os pontos mais altos da espécie humana foram alcançados por indivíduos sozinhos, silenciosos, debruçados sobre folhas de papel. O misantropo está cansado. Deixem-no repousar em paz!
Parabéns pelo texto. Suas palavras confirmam o que eu penso: que o misantropo faz uma projeção de si sobre o outro e por isso sabe que não valerá o investimento afetivo.
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