Todo mundo já parou um dia para imaginar como seria o país ideal. A escritora norte-americana Ursula K. LeGuin parou também, e imaginou num conto uma cidade utópica chamada Omelas.
Ela descreve uma festa popular nessa cidade: jovens e anciãos desfilando com guirlandas de flores, as ruas ensolaradas, as crianças sorrindo, a música ressoando no ar. Diz ela:
"Não conheço as leis e as regras dessa sociedade, mas desconfio que eram poucas. Assim como eram capazes de viver sem a monarquia e a escravidão, eles conseguiam viver sem bolsa de valores, sem publicidade, sem polícia secreta e sem bomba atômica.”
Nessa cidade, “a felicidade se baseava na percepção equilibrada do que é necessário, do que não é necessário nem destrutivo, e do que é destrutivo.”
Ao cabo de algumas páginas, depois de descrever belezas e mais belezas, ela pede licença para revelar um último aspecto de Omelas.
No porão de um dos edifícios da cidade há um quartinho, sem janelas, e com uma porta que vive trancada. Dentro desse quarto há uma criança, que não se sabe ao certo se é menino ou menina. Tem dez anos, mas aparenta ter no máximo seis. A criança está suja, doente, e mal sabe falar; consegue apenas dizer às vezes, na direção da porta: “Por favor, deixe eu sair. Eu vou me comportar bem.”
Uma vez por dia a porta se abre, e alguém traz um prato de comida e um jarro com água. E a porta se fecha novamente.
Todas as pessoas em Omelas sabem que a criança existe. Este fato é explicado a todas as outras crianças quando elas chegam aos oito ou dez anos; algumas são levadas até lá para vê-la. E aprendem que a felicidade em Omelas tem um preço. Se um dia a criança fôr libertada, medicada, e alimentada, toda a prosperidade de Omelas irá desmoronar.
Valeria a pena sacrificar a felicidade de milhares de pessoas para agradar a uma só? Seria justo? Não se sabe, mas a verdade é que de vez em quando há pessoas que saem caminhando até os subúrbios e vão embora. Para onde? Não sabem: só sabem que estão indo embora de Omelas.
O conto intitula-se “Aqueles que vão embora de Omelas” (“The ones who walk away from Omelas”), e ganhou o Prêmio Hugo de Ficção Científica de 1973. É uma história de ficção científica, sim. Não tem espaçonaves nem alienígenas, mas é uma extrapolação futurista, um modelo de sociedade projetado a partir de características da nossa.
O país de Omelas me lembra o romance de Oscar Wilde O retrato de Dorian Gray, onde um playboy da alta sociedade se mantém jovem e belo a vida inteira, enquanto um retrato seu, trancado no sótão, envelhece em seu lugar. Toda vez que elogiam minha inteligência ou meu talento eu fico pensando que em algum lugar por aí existe um cara com meu rosto e meu nome, trancado num porão, a quem nunca foi dado o direito de aprender a ler, de trabalhar, de pensar por conta própria e de ser gente. Não é que Omelas seja um mau lugar, mas acaba dando uma vontade danada de ir embora.
Não li nada da autora, mas fiquei curiosa depois de ver referências a ela em um filme sobre livros& mulheres & discussões - "O Clube de Leitura de Jane Austen". Agora fiquei mais interessada ainda.
ResponderExcluirAcabou de sair (pela Editora Aleph, acho) um livro excelente dela: "A máo esquerda da escuridão". Tem nas livrarias (é um da capa toda branca). Nos sebos pode se encontrar "Os despossuídos", também maravilhoso, que saiu pela Nova Fronteira.
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