Alguém lembra do cometa de Halley, uma das grandes sensações de 1986? Em muitos colégios brasileiros devem existir hoje garotos de 17 anos chamados “Halley” (e variantes) por causa dele. Foi aguardado com ansiedade. Quando passou, foi até um certo anticlímax – a lembrança que tenho dele é uma brasa de cigarro lá no horizonte, vista com um binóculo. Mas na imprensa da época saiu muitas vezes algo assim: “O cometa tem este nome em homenagem ao seu descobridor, o astrônomo inglês Edmund Halley (1656-1742)”. Os dados estão certos mas... “descobridor”? Como é que um cara descobre um cometa que passou no céu, com todo mundo vendo?
Não foi bem assim. O cometa tinha sido visto em 1682, quando Halley era um jovem astrônomo. Foi somente anos depois que ele se dedicou a estudar a órbita dos cometas. Kepler pensara que eles tinham uma trajetória retilínea: vinham, e desapareciam para sempre. Isaac Newton achava que a órbita era parabólica. Halley supôs uma órbita elíptica, o que faria com que os cometas retornassem ciclicamente. O Observatório Real tinha em seu arquivos registros de cometas avistados há séculos. Halley passou anos comparando essas tabelas, até notar um fato interessante.
Um cometa muito brilhante havia sido avistado em 1607, ou seja, 75 anos antes do de 1682. E outro parecido em 1531, setenta e seis anos antes disso. Voltando mais 75 anos, ele achou outro cometa semelante em 1456. Outro salto idêntico, e lá estava um cometa em 1380. E mais um em 1304. Ou seja: a intervalos de 75/76 anos, havia registros de cometas com certas características. E se fossem todos um só, que voltava com regularidade, porque sua órbita era elíptica? Halley afirmou: “Se meu palpite está correto, ele voltará em dezembro de 1758.” Halley morreu em 1742, mas na noite de Natal de 1758 o cometa foi visto. Ele retornava, de fato; a pequena variação no seu ciclo se devia a perturbações causadas quando o cometa passava perto de Júpiter.
Não foi apontando o telescópio para o cometa que Halley o descobriu. Os “avistamentos” foram feitos por outras pessoas. Onde os astrônomos tinham visto dez cometas diferentes, Halley viu um único cometa passando dez vezes. A ciência é feita de façanhas desse tipo. Alguém observa um acúmulo espantoso de fatos, e percebe ali um padrão, uma regularidade. E diz: “Se meu palpite está correto, tal ou tal coisa vai acontecer.” E acontece! Isso é bonito demais, parece um poema.
Grandes descobertas da ciência são feitas por pessoas que simplesmente olharam de uma maneira diferente uma coisa que estava ali, à vista de todos, mas que até então ninguém tinha interpretado daquela forma. Se tudo correr bem, nossos netos avistarão em 2062 o cometa que Halley viu com a mente. E abrirão uma cerveja em homenagem ao seu descobridor. “Descobridor”, em ciência, não é necessariamente quem enxerga primeiro. É quem entende primeiro.
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