Na coluna de terça-feira passada, que devido a um “bug” acabou saindo trocada com a do colega Biu Ramos, lamentei a perda de tabletes com inscrições cuneiformes, alguns dos documentos mais antigos da Humanidade. Alguns leitores se manifestaram, dizendo que por mais lamentável que seja isto, não se compara à perda de milhares de vidas humanas. Concordo. Também acho mais grave a morte de qualquer uma das vítimas do 11 de setembro de 2001 do que a queda daquelas duas torres que, bem ou mal, podem ser construídas de novo. Dinheiro é o que não falta por ali. Por enquanto.
No caso das relíquias dos museus iraquianos, ocorre algo diferente. Muitas das inscrições perdidas eram textos antiquíssimos, dos quais só tinham sobrado fragmentos, ainda não decifrados por completo. Estima-se em cerca de 200 o número de pessoas, no mundo inteiro, capazes de decifrar aquelas inscrições. Havia milhares de peças recolhidas em escavações (para a construção de usinas hidrelétricas, por exemplo) que estavam estocadas, à espera de serem examinadas por estes especialistas. As guerras em que o Iraque se meteu (guerra Irã-Iraque, 1980-1988; Guerra do Golfo, 1991) fecharam os museus, interrompendo essas pesquisas, agora para sempre.
A Universidade de Kansas City mantém, através do Prof. Francis Deblauwe, uma homepage com dezenas de fotos, videos e links para artigos sobre a depredação do material histórico iraquiano; os interessados podem ir direto para http://cctr.umkc.edu/user/fdeblauwe/iraq.html. Se forem sentimentais como eu, preparem o lenço.
Uma pessoa é uma pessoa, e uma peça de museu é um objeto inanimado. Alguns desses objetos, entretanto, parecem coisas vivas. Não porque se movam por conta própria, mas porque são geradores de idéias. Isso se dá com uma pintura, uma escultura, uma máscara ritual, um tablete com inscrições. No momento em que esse objeto é observado, ele provoca uma reação no observador. Não em todos; mas em muitos. Idéias, sentimentos e percepções que percorriam a mente do artista no momento em que ele compôs aquele objeto brotam, como se fosse um milagre, na mente do observador. Não exatamente as mesmas, é claro. Há um abismo de milênios de cultura, de hábitos, de História. Mas algum contato é feito. Afinal de contas, é por isto que os museus e as galerias de arte do mundo inteiro preservam e expõem esses objetos, reproduzindo todos os dias essa mesma telepatia mágica associada a formas, a signos e a símbolos.
Alguns artesãos que viveram na antiga Babilônia viraram pó milhares de anos atrás; mas não tinham morrido de todo, porque uma parte deles, talvez a parte de que eles próprios mais se orgulhavam, continuava viva, continuava produzindo idéias. Enquanto a Mona Lisa estiver sendo vista, podemos dizer que Leonardo da Vinci não morreu de todo. Não podemos dizer o mesmo, agora, dos outros milhares de babilônios cujas vidas, milênios depois, foram finalmente destruídas por mais uma Guerra.
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