sexta-feira, 7 de março de 2008

0010) Big Brother and the Holding Company (3.4.2003)




Na reta final do “Big Brother” da Rede Globo, fico pensando como George Orwell estava equivocado ao imaginar a vigilância política e a lavagem cerebral do futuro. Seu romance 1984 é uma obra indispensável para entender o terrorismo de Estado e as ditaduras, além de ser uma notável narrativa literária, mas várias de suas especulações são ingênuas, não apenas porque foram desmentidas pelo tempo, mas porque mesmo na época em que foram feitas (1948) já não se sustentavam muito.

Isaac Asimov, ao dissecar 1984, apontou numerosos pontos fracos no enredo, como o conceito da TV como “olho vigilante”. Orwell imaginava uma TV de mão dupla, ligada o tempo inteiro, que era também uma câmara através da qual os agentes do governo espiavam a vida de cada cidadão. Um sistema inviável, pois, como Orwell não lançava mão de computadores ou robôs, chegava-se a um impasse em que metade da população estaria sendo vigiada pela outra metade.

Mais precisas do que as previsões de Orwell foram as de Aldous Huxley, ao afirmar, em seu prefácio para Admirável Mundo Novo, que as ditaduras baseadas no chicote estavam com os dias contados, e que os regimes totalitários do futuro manteriam a população sob controle através da distribuição de drogas e de múltiplos lazeres. É justamente o que temos hoje em dia, e os programas tipo “Big Brother” cumprem esta função.

O Grande Irmão (quem quer que mande neste mundo) não precisa vigiar cada cidadão: dá-lhe abobrinhas de lazer, para que ele não tenha tempo de pensar em nada perigoso. A TV cumpre bem esta função. Nada acontece de baixo para cima enquanto as pessoas estão vendo videoclips pop, programas de receitas culinárias, documentários sobre a procriação dos antílopes, sitcoms indistinguíveis uns dos outros, mochileiros passeando pelo Nepal, ou aqueles filmes norte-americanos onde há sempre uma porção de carros explodindo e homens de paletó atirando uns nos outros.

Nosso “Big Brother” também é orwelliano quando pega jovens comuns e os faz jogar, ao vivo e em tempo real, o mesmo jogo que vigora no Poder: esquivas, confrontos, demagogia, alianças e traições. Todo mundo mente, todo mundo se faz de bonzinho, joga para a torcida, adapta seu personagem. O programa é vendido como um ritual de voyeurismo, mas é justamente o contrário, é um programa exibicionista. Voyeurismo pra mim é quando as pessoas não sabem que estão sendo observadas, e sabemos que estamos violando sua intimidade. No programa da Globo, o que temos é um desfile de gente vivendo em função das câmaras, fazendo caras e bocas, imitando as cenas, os gestos e as atitudes que eles próprios viram em programas anteriores.

A Globo tinha o “Fama”, onde as pessoas aprendiam a tocar, cantar, dançar, etc., sendo acompanhadas pelo país inteiro. Como no “Big Brother” ninguém aprende nada disso, só posso concluir que o programa não passa de um Curso Intensivo de Formação de Executivos de Gravadoras.

2 comentários:

  1. Caro Bráulio, apesar de sue texto ser leve, creio que o problema que você abordou aqui é talvez o mais importante para se entender a sociedade ocidental moderna. Corro o risco de soar como um desses doidos americanos fanáticos por teorias de conspiração. Creio que o Big Brother, whoever he is, está transformando a humanidade sob seu controle numa massa homogênea de medíocres. A mediocridade contemporânea é um fenômeno de massas. A multidão não está preparada para reconhecer ou amar o original, o sofisticado, o genial. Antes, com as grandes mudanças históricas, havia inversão de valores, agora temos simplesmente negação, é só conversar com qualquer adolescente. A grande entidade que cria e espalha as opiniões a ser adotadas pelo populacho, adestra cuidadosamente a multidão para temer o "sábio" e ostracizar o diferente, veja os secundaristas norte-americanos e, já, os brasileiros também. Mas é isso. De novo, excelente iniciativa, seu blog.

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  2. Pois é, Ítalo. Na verdade não importa muito o que a TV fica mostrando, mas o mecanismo, o ritual que se cria. Veja o artigo 0333, "A galinha morta no pedestal".

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