sexta-feira, 7 de março de 2008

0003) Viva Leandro! (26.03.2003)



“Os templos voam nas balas
o sangue enche os ribeiros
a fumaça dos canhões
forma grossos nevoeiros
vê-se montes de cadáveres
que ao longe parece oiteiros.

As balas levam crianças
como se fora uma palha
sobem mulheres e homens
tangidos pela metralha
a fumaça envolve o mundo
que nem o vento a espalha.”

São versos do folheto As aflições da guerra na Europa, publicado em 1915 por Leandro Gomes de Barros, considerado o pai da literatura de cordel. Existe uma grande biografia a ser escrita na Paraíba sobre a vida deste caboclo teimoso, nascido em Pombal em 1865, e que até os quinze anos viveu na região de Teixeira, o epicentro da poesia popular do Nordeste. Ao se mudar para Pernambuco, Leandro levou consigo o vírus benigno da poesia oral, solta, fluente, sem compromissos com a perfeição, e ao mesmo tempo submetida a complexos esquemas de rima, de métrica e de estrofe. Produziu folhetos cujos títulos hoje se contam na casa das centenas, e foi com justiça considerado o rei do cordel nordestino.

Enquanto os biógrafos não arregaçam as mangas e caem em campo, o poeta Irani Medeiros lança No Reino da Poesia Sertaneja (Ed. Idéia, 2002), coletânea dos folhetos mais expressivos de Leandro, com belo projeto gráfico, ilustrações de Fred Svendsen, e numerosas reproduções de xilogravuras e de capas de folhetos. Com 50 textos, o livro ultrapassa as duas antologias fac-similares da obra de Leandro lançadas pela Casa de Rui Barbosa, em parceria com a antiga FURNe (em 1976) e com a UFPb (em 1977).

O principal, contudo, é a saborosa poesia de Leandro, que vai dos romances de fadas e encantamento até as aventuras de cangaceiros, desde a sátira ferina às mulheres até os romances melodramáticos e as trapaças de heróis picarescos como Cancão de Fogo. Poucos poetas da Paraíba terão produzido uma obra tão numerosa, tão vívida, e tão duradoura.

Consta que Leandro iniciou suas atividades de editor em 1889. Teria sido ele, como se afirma, o primeiro a imprimir folhetos com as obras do que Ariano Suassuna batizou de “Romanceiro Popular Nordestino”? O próprio Ariano registra menções a folhetos de 1836. Machado de Assis já fazia, em livro de 1896, um personagem ler no Rio o folheto A Princesa Magalona, história tradicional muitas vezes reescrita. Leandro pode não ter sido o primeiro a imprimir cordéis, mas foi sem dúvida ele quem o fêz em quantidade e qualidade suficientes para demonstrar a possibilidade, ali, de um próspero comércio e de um escoadouro para a gigantesca produção nordestina de poesia oral.

A criação do cordel nordestino por Leandro só encontra paralelo na criação do baião por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, meio século depois. Expressões artísticas da cultura nordestina, de sua economia asfixiante, sua produção caudalosa, sua avidez por alternativas, seu feedback migratório, sua busca permanente por novos mecanismos de criação no interior da indústria editorial ou fonográfica.


Um comentário:

  1. Caro Bráulio Tavares,

    Tenho acompanhado com interesse as matérias postadas no seu blog, sobretudo as que tratam do cordel. Há cinco anos venho me empenhando na tarefa hercúlea de reunir elementos para uma biografia do poeta LEANDRO GOMES DE BARROS. Ao longo desse tempo, cheguei a descobertas importantes, algumas delas graças a ajuda do escritor Pedro Nunes Filho, do poeta Paulo Nunes Batista e de uma sobrinha-neta de Leandro, a professora CRISTINA DA NÓBREGA. Conseguimos a certidão de óbito do grande poeta, bem como a certidão de nascimento de alguns de seus filhos. Isso vem ajudando a elucidar detalhes importantes de sua vida. Se puder contribuir com a minha pesquisa, ficarei muito grato.

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