domingo, 13 de setembro de 2020

4620) Minhas canções: "Amigo do Rei" (13.9.2020)

 


 
Ter uma música gravada por Tim Maia é melhor do que ganhar um Grammy.
 
(É claro que se eu já tivesse ganho um Grammy diria que é melhor do que ter uma música gravada por Tim Maia.)
 
Melhor ainda é essa música ter sido gravada por ele em dueto com Os Cariocas, que tem umas seis colunas de índice remissivo em qualquer história da Música Popular Brasileira.
 
Houve um tempo em que eu comecei a tentar emplacar músicas em trilhas sonoras de novelas da TV.  Alguns amigos meus, como Dudu Falcão, descobriram o jeito certo, o formato certo, o tom certo de compor. Tem que ser aquelas canções que rolam no áudio enquanto a personagem, em plena desilusão amorosa, caminha ao pôr-do-sol, roçando a ponta dos dedos nas flores que desabrocham à beira da alameda do seu condomínio.
 
É novela? É. A novela é boa, é ruim? Pra mim tanto faz. Como compositor, eu tenho que atender a uma encomenda e um desafio.  É a mesma coisa que, no universo dos cantadores repentistas, alguém lhe dar um mote e você ser capaz de glosar. É um desafio. “Você diz que é bom? Então responda isto aqui.”
 
Alguém dá o mote: “Minha vida é só tristeza / meu mundo é desilusão.” Eu imediatamente gloso: 

“Ando meio desligado 
não sei o que é alegria 
quando começa meu dia 
já estou desanimado. 
Muito triste o meu estado 
e grave a situação! 
Olhe aqui meu coração 
cheio de válvula presa... 
Minha vida é só tristeza 
meu mundo é desilusão.”
 
Alguém se aproxima, cheia de preocupações: “Mas o que foi... por que está desesperado assim?...” E eu digo: “Eu estou alegríssimo. Quem está triste é o mote.”
 
Nas novelas de televisão, o mote é a descrição de um personagem, para que a gente componha a canção que lhe servirá de tema. São dicas que a produção da novela envia aos compositores do seu interesse. O personagem é assim e assado, gosta disto, não gosta daquilo, tem tais problemas na vida, tem tais e tais sonhos, e no roteiro da novela está previsto que vai passar por tais e tais fases... Um raio-X da vida do personagem, e a gente tem que compor uma canção. É aquela canção que toca sempre que o sujeito se debruça, meditabundo, na janela da casinha-de-vila onde ele mora no subúrbio.
 
Não lembro qual era a novela nem quem era o personagem cuja descrição Lenine me trouxe lá das suas reuniões com a cúpula noveleira. Lembro que era um cara sonhador, meio desligadão, sem grandes ambições mas com fé de que um dia tudo vai dar certo. Movido a esperança e estoicismo, sempre pronto a acordar às cinco para pegar no batente às sete, sempre pronto para uma cervejinha e pagode no fim de semana...
 
E era um cara que tinha um amigo importante, de quem podia se valer – daí o enunciado “o amigo do rei”.
 
“Muito bem,” dissemos, “vamos de Manuel Bandeira, vou embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei, quando eu chegar lá eu deito e rolo...”  E lá foi o sambinha brotando.


(Manuel Bandeira)

A música foi feita, mas acho que nem entrou na novela. Ficou uma música massa, e acabou sendo mostrada a quem estava produzindo esse disco em que Tim Maia se juntou a Os Cariocas, e emplacou. Deu até nome ao disco: Tim Maia & Os Cariocas: Amigo do Rei (1997), Vitória Régia Discos.
 
Tempos depois, demos um “última forma!” na composição. Comecei a achar que esse negócio de amigo do rei era uma coisa muito de cupincha, de puxa-saco dos poderosos. Eu posso até ser amigo de um rei, mas dele quero distância, só vou lá se for chamado. Eu queria ser como o Mago Sparrowhawk, que botou o rei no trono de Havnor e quando todo mundo pensava que ele ia ser o Grão Vizir, ele pegou seu barquinho e foi morar na ilha de Gont, onde cria cabras, como Ariano Suassuna. (Leiam Ursula LeGuin; leiam Terramar.)
 
E a letra, que dizia “Pois eu sei desde menino / que eu sou amigo do rei” virou: “Pois eu sei desde menino / que a vida gosta de mim.” Pra não perder o costume, uma tirada de chapéu na direção de outro grande, o inimitável Braguinha, letrista de mão cheia e coração transbordando, que nos ensinava: “A vida só gosta de quem gosta dela”.
 
Tem outra citaçãozinha escondida. A primeira versão da letra dizia “passear na Riviera”, mas isso sempre me incomodou, porque “Riviera” pra mim é um bar de Campina Grande. E naqueles dias eu estava revendo Hiroshima meu Amor de Alain Resnais, e nas cenas em que Emmanuelle Riva namora com um soldado alemão eles dizem: “quando a guerra acabar, vamos passear na Baviera”.
 

 
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A gravação original, com Tim Maia e Os Cariocas:
 
https://www.youtube.com/watch?v=PbIeYHMpCXg&ab_channel=Rog%C3%A9rioBRAGA
 
 
 
AMIGO DO REI
(Lenine / BT)
 
Sonhei a vida...
Não quis acordar...
 
Um dia
vou viver como eu queria;
sei que em toda loteria
sempre cabe um azarão.
Eu sonho
com as varandas de Madri
hora extra no Havaí
mala cheia de cifrão...
Minha galera
vai ter tudo que eu quisera
passear na Baviera
fazer compras no Japão.
 
Eu sou filho de Deus
e devo ser alguém,
por isso eu continuo a confiar;
o tempo vai passando e eu seguindo
sem medo de recomeçar.
 
Juro
eu conheço esse futuro
é por ele que eu procuro
sei que um dia encontrarei...
O meu destino
é tranquilo e cristalino
porque eu sei desde menino
que eu sou amigo do rei...
 
Variante:
Juro
eu conheço esse futuro
é por ele que eu procuro
vou seguir até o fim...
O meu destino
é tranquilo e cristalino
pois eu sei desde menino
que a vida gosta de mim...
 
 
 


 

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