quinta-feira, 5 de março de 2020

4556) Minhas Canções: "Virou Areia" (5.3.2020)



Nas canções existem idéias que vão passando de uma para outra, feito espíritos que reencarnam. A idéia X ganha forma na canção A, mas fica uma forma meio incompleta, meio desordenada, na base do “ainda não é bem isso”, e pode ser que depois ela tome uma forma diferente na canção B, ficando mais parecida consigo mesma.

“Virou Areia” foi composta em janeiro de 1990 (o manuscrito está datado, num caderno) numa ida de Lenine à minha casa, na ladeira da Tavares Bastos. “Estou com uma levada de samba,” anunciou ele ao chegar. “E eu estou com uma idéia: virou areia”, disse eu. Duas ou três horas depois a música estava pronta.

A idéia, de minha parte, vinha de bem antes, de uns martelos alagoanos que eu escrevi ainda em Campina Grande, dez anos antes disso, em que uma das estrofes dizia:

Contemplei a Pirâmide do Egito
monumento de um grande faraó;
vi o vento fazendo virar pó
os seus blocos enormes de granito.
Decifrei o hieróglifo escrito
nos papiros do grande soberano;
e entendi na mensagem desse arcano
que a Pirâmide também já está perto
de rolar nas areias do deserto,
nos dez pés de martelo alagoano.

A idéia dos grandes monumentos desmoronando devido à erosão já estava aí, mas voltou com força total quando me ocorreu a frase “virou areia”, com sua aliteração simples mais forte, e sua sonoridade em “Ô – Ê” que imediatamente me sugeriu o refrão de um samba.



Não foi meu primeiro samba com Lenine, porque um ano antes já tínhamos composto República dos Viralatas para o bloco Suvaco do Cristo (“Foi ela / a primeira tentação / que molhou a minha mão / na fonte do pecado...”). Mas achamos que a música tinha ficado boa, e a inscrevemos pouco depois na FAMPOP (Feira Avareense de Música Popular), de Avaré (SP), um festival de excelente nível onde Lenine tinha sido campeão no ano anterior com o “Samba do Quilombo”.



A música ficou em terceiro lugar; foi gravada em seguida por grupos como o MPB-4 (no álbum Sambas da Minha Terra) e o Batacotô. Ganhou uma versão em inglês da cantora Dionne Warwick, que passou algum tempo morando no Rio de Janeiro e gravou um disco (Aquarela do Brasil) só com músicas brasileiras.

Essa versão de Ms. Warwick foi contestada por algumas pessoas, levantando mais uma vez a lebre milenar de que uma versão não corresponde nunca à letra original. Não corresponde mesmo, e não pode, nem é preciso. Uma versão poética não é (na minha opinião e na minha prática) uma tradução verso-a-verso da letra original. É uma expansão das idéias gerais e do sentimento da canção original, num tom e num espírito próximos aos que foram usados pelo autor.

É quase impossível pegar uma letra em outro idioma e fazer com que na nossa língua ela diga exatamente a mesma coisa, tendo o mesmo número de sílabas e as mesmas acentuações tônicas – que na canção, que é cantada, têm muito mais importância do que num poema lido numa página. Pode-se fazer? Pode, sim, como se pode escrever um romance sem usar a letra “E”. Mas pra quê esse trabalho todo, se é muito mais interessante o desafio de criar uma letra nova em português, dizendo algo parecido?

Nas minhas versões, procuro dizer coisas parecidas com o que o original disse, mas, frequentemente, usando outras imagens, outras comparações, etc.  Repito: uma boa versão não repete a letra original: ela a amplia, a estende.

Acho que a minha gravação preferida deste samba (até o momento acho que são 7 ao todo) foi a que Lenine fez ao vivo no seu show Lenine In Cité (em Paris), com a baixista cubana Yussa e o percussionista argentino Ramiro Musotto.



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Virou Areia
(BT + Lenine)

Cadê a esfinge de pedra que ficava ali?
Virou areia, virou areia.
Cadê a floresta que o mar já avistou dali?
Virou areia, virou areia.
Cadê a mulher que esperava o pescador?
Virou areia.

Cadê o castelo onde um dia já dormiu um rei?
Virou areia, virou areia.
E o livro onde o dedo de Deus deixou escrita a lei?
Virou areia, virou areia.
Cadê o sudário do salvador?
Virou areia.

(Areia) A lua batendo no chão do terreiro
(Areia) O barro batido subindo no ar
(Areia) Menino sentado na beira da praia
(Areia) Fazendo com a mão um castelo no mar...

E a onda que se ergueu e que passou
virou areia...
Nasceu no mar e na terra se acabou
virou areia...

Cadê a voz que encantava a multidão?
Virou areia, virou areia.
Cadê o passado, o presente, e a paixão ?
Virou areia, virou areia.
Cadê a muralha do imperador?
Virou areia.


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Lenine In Cité:

Gravação “Batacotô”, Lenine no vocal:

Gravação MPB-4:

Gravação de Juca Novaes:
https://www.youtube.com/watch?v=nvLWwazkO_g

Gravação Dionne Warwick:




"Virou Areia"
(versão de Dionne Warwick)

Oh where are the pyramids
That stood in Egypt land?
Virou areia, virou areia

And where are the trees the grass
And all the earth has grown?
Virou areia, virou areia

Oh where are all hopes
And dreams of all mankind
Virou areia, virou areia

What happened to the dreams
Of castles, queens and kings
Virou areia, virou areia

The hand of God has written
That all men are free
Virou areia, virou areia

And where is the savior for us all
Virou areia

Areia - the moon wants to hide
All the sorrow we've caused the earth
Areia - we've gone through
The layers Of air and sky
Areia - the land is so tired
That it won't give birth
Areia - the trees and the grass will all die

We have got to change this old m.o.
Virou areia
If not it's back to sand we all will go
Virou areia

Cadé a voz que encantava a multidão
Virou areia, virou areia
Cadé o passado o presente e a paixão
Virou areia, virou areia
Cadé a muralha do imperador, virou areia

The moon wants to hide all the sorrow
We've caused the earth
Barro batido subindo no ar
The land is so tired it won't give birth
Fazendo com a mão um castelo no mar
Onda que se ergueu e que passou
Virou areia
If not it's back to sand we all will go
Virou areia

Tell me where are all the people
Who thought as one
Virou areia, virou areia

It's our responsibility
To get things done













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