quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

3992) Cinco eufemismos (9.12.2015)



Correu como fogo em pólvora, naquela manhã, na vizinhança, a notícia de que Doutor Hercílio tinha uma rapariga. Alguém ia passando e o viu saindo da casa dela às 7 da manhã, despedindo-se com um beijinho, e veio de táxi trazer a notícia para Dona Iolanda. Minha mãe soube, foi na casa da pobre vizinha oferecer os préstimos. Na hora do almoço meu pai perguntou: “Que zum-zum-zum é esse na calçada, essa risadaria, todo mundo falando em Hercílio?”  Minha mãe, muito dignidade-ofendida, trouxe a terrina de feijão e informou: “Descobriram que ele tem um contróle lá no bairro do Jeremias”.

Insone e com a cabeleira em desalinho, o cantor irrompeu no apartamento do seu empresário, brandindo demonstrativos bancários quentinhos do forno. Onde estavam suas economias, seus investimentos, suas poupanças? Onde estava a confiança que tinha depositado no amigo? Onde estava a grana dele, afinal? O outro engoliu e seco e disse: “Tua grana está dando a volta ao mundo, qualquer dia ela volta pra casa.”

O delegado ouviu dos envolvidos e de testemunhas o relato de que Chico de Janjão chegou em casa e flagrou a mulher conversando com dois evangélicos de Bíblia em punho, caiu de pau enxotando a dupla, que se escafedeu com escoriações leves, e descontou o resto em cima da pobre da dona Do Carmo, que exibiu às autoridades os três dentes partidos, olho roxo, boca lascada, braço destroncado, chumaço de cabelo arrancado à força. O delegado lavrou auto de infração acusando Chico de Janjão de “atitude inconveniente”.

Da súmula do jogo Hamburguense x Laranjal, pelo árbitro Moziael Ribeiro Júnior: “Aos trinta minutos da etapa complementar, seguindo-se a uma altercação entre os atletas Mariano Paulo de Amorim e Salim Raia, houve a invasão de campo por dirigentes e reservas de ambas as equipes, e no alvoroço subsequente o presidente do clube local, o deputado Anastácio Baruque, aplicou as mãos espalmadas de encontro ao meu peito, nas quais esbarrei e acabei perdendo o equilíbrio e caindo para trás, o que pode inclusive ter dado ensejo a versões tendenciosas que podem querer me indispor com a supracitada autoridade.” 

Nininha Dez-Reais estava na calçada de sempre, de minissaia, checando o zapzap sob a luz do poste, quando parou um carro novinho com um senhor grisalho ao volante. Ela encostou na janela, os dois trocaram sorrisos calejados, num flerte protocolar de trinta segundos. O cliente explicitou sua intenção de que o ato amoroso fosse praticado, por assim dizer, por vias diversas das convencionais. Ao que Nininha se empertigou, receosa, e mandou essa: “Doutor, o senhor me desculpe, mas comigo é só no organismo.”




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