quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

3741) A Sexta Profecia (19.2.2015)



(Abbey Bookshop, em Paris)

Almério mandou o calhamaço de 600 páginas, romance ainda por cima, pra uma editora carioca. Depois de roer unhas uma semana, ligou para o editor, Diogo Montalvão. “E aí, Dr. Montalvão, o que o sr. achou?”  O editor disse: “Meu querido, eu tenho uma fila de leitura, por ordem de chegada. O seu acabou de chegar. Ou você pensa que é o único brasileiro que quer viver sem trabalhar?”   “Foi o sr. quem me pediu, o sr. mesmo disse que eu podia mandar.”  “Foi pedido, foi recebido, será lido, será avaliado.”  “E se alguém me fizer uma oferta  muito boa por ele?  Pelo que eu vejo o senhor nem passou os olhos pelo livro.”  “Acertou.  Ele foi para a prateleira de espera. Eu tenho um vazamento financeiro nas minhas empresas, preciso tratar. Quando normalizar tudo, eu volto a cuidar da editora.”  “Então o senhor não vive da editora, tem mais de uma atividade.”  “Isso mesmo.  Ter várias atividades é também uma forma honrosa de viver sem trabalhar, concorda?  Mas se a Gallimard ou a Penguin lhe fizerem uma proposta irrecusável eu cedo a vez. Basta me avisar, e desejo sucesso.”

Almério já desligou com o plano armado.  A prima em Paris fazia Letras, e o marido francês dela trabalhava nessa editora.  Ele pediria pro cara lhe mandar um email banal indagando sobre o manuscrito. O livro dele era uma fantasia heróica: Cavaleiros da Sexta Profecia, por Almério Patrício. Mostraria o email: “Olhe aqui, Dr. Montalvão, a Gallimard está me sondando...”  Isso poderia motivar o velho, certo?  Ninguém mais ficaria sabendo, o assunto morria ali mesmo.

De fato a prima conseguiu, e o marido dela até se interessou pelo livro. “Pensei que a Gallimard era uma editora para intelectuais,” disse Almério.  O francês disse que toda pessoa capaz de ler e entender um livro é um intelectual, e que fantasia heróica sempre vende, mas é muito repetitivo, é preciso procurar algo com um gume de novidade, de diferença.  Ele mandou.

Quando recebeu da Gallimard a confirmação de interesse e a informação de que já tinham até um tradutor, Almério ligou para Montalvão. “A Gallimard quer meu livro, Dr. Montalvão. E eu devo isso ao sr., por absurdo que pareça.” “Você nasceu de quina pra lua, rapaz, porque eu acabei de liquidar a editora, o vazamento era nela.  Fechando isso eu respiro. Teu livro é bom, então? Mas vejam só, talvez tivesse sido minha tábua de salvação. Você ia ser meu Paulo Coelho.”  A editora de Montalvão sumiu do mundo, Almério publicou em Paris, ganhou dois prêmios e já vendeu os direitos para o cinema e os quadrinhos.  À imprensa, já admitiu que tem uma idéia bastante clara para o próximo livro, Cavaleiros da Quinta Profecia.




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